Olha, deixa-me dizer-te isto antes que me esqueça:
pego na fotografia, aquela a que nunca chamámos nossa porque éramos só nós sem
espólio. Seguro-a como se fosse perigoso.
É um gesto inútil, a distância apenas contraria a
memória.
Reparo devagar no inacreditável alongamento dos
corpos quase impossíveis, vegetais. Vejo a assimetria de, a textura que, a
sombra sobre, o intervalo entre. E como parecem banalidades em moldes.
E é um risco, sabes, porque subitamente lembro-me
do corte, de um pequeno golpe já curado, terá sido faca, falha, acidente,
procura de dor. Não sei. E é o que não sei que se ateia, é a maldição dos
indícios. Um só dedo, por exemplo, um só dedo traçou palavras, alegrou-se,
apontou na vertical, pousou sobre a febre, deu começos a solo. E o resto?
Não permito a fala da fotografia, a imprecisão com
que descreve a junção, o erro no que diz do clarão que trouxe o escuro que nos
abrigou da morte. E da grande luz que deu.
manuel
margarido
voo rasante
antologia de
poesia contemporânea
mariposa azual
2015
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