23 março 2014

dinis moura / os naufrágios do amor exigem




Os naufrágios do amor exigem
medidas drásticas e extraordinárias.

Depois de dezenas de requerimentos,
o mesmo número de insistências,
muita perseverança e algumas rezas,
eis que finalmente surgiu uma vaga.
Foi ontem à tarde.
Durante um bom par de horas
estive à conversa com Santo António
– A ver se me arranja uma moçoila,
uma moçoila carinhosa, bonita, fiel.

A agenda a transbordar,
imensos pedidos, permanentes quefazeres.
– Por tais e quejandos motivos, vi-me forçado
a acrescentar mais três dias ao mês de Fevereiro:
até ao dia 31 não terei mãos a medir.
Ainda pensei que esse assunto das redes socais
contribuísse para aliviar-me a carga – mas qual quê?
A faina duplicou, triplicando-me destarte as preocupações.

Depois em gestos medidos,
numa expressividade parenética:
logo que sobeje tempo
prometo tratar disso.
Como estava a dizer-lhe,
há depois aqueles peixes mais ariscos.

Eu bem fui insistindo na rogatória,
falei na cor dos olhos, que os queria
castanhos, como os da minha mãe.
Gostaria dela com cabelo comprido,
pele branca, sorriso de flor de cerejeira,
pernas de Vénus de Botticelli,
mas o canonizado tagarela passou o resto
da tarde a discorrer caudalosamente sobre
peixes, anzóis e canas de pesca
– e eu a ver navios.

  

dinis moura



5 comentários:

Helder Paraná Do Coutto disse...

desengane-se Dinis: Não há mais moçoilas carinhosas, bonitas e fiéis. Helder Do Coutto.

Maria Regina Prado Alves disse...

Linda poesia. Parabéns.
Maria Regina Prado Alves.

Unknown disse...

Bem legal o texto parabéns!
Quando puder passe nos meus blogs!

Amissus Poems
Projeto Edgar Allan Poe

Grande Abraço!

Maria Santos disse...

Cheguei ao seu Blog! Um abraço de parabéns pelo primeiro poema lido. É mais um poema que nos desconcerta, nos questiona, impressionante como o real se faz poema. As palavras Têm efeitos de riso, a palavra certa para nomear o instante concreto...a ironia uma constante e um desafio ...ao nosso entendimento...tudo isto pode alegrar um momento menos feliz, um começo de noite em que a melancolia parece querer submergir-nos... Obrigada, por ser nos mostrar que a poesia pode ser "salvífica", é o que sinto quando leio os seus poemas! Bem-haja! MJ

Maria Santos disse...

Meu amigo, já percebi que os comentários ficam registados. Voltei ao poema,e deliciei-me com o diálogo que estabelece com Stº António Casamenteiro. O Santo anda deveras atarefado, prolonga o mês de Fevereiro até 31, não consegue dar aviamento aos pedidos que se vão acumulando e não arranja a moçoila carinhosa, bonita, fiel que lhe é pedida...mas o Stº anda mais preocupado com o sermão que terá que fazer aos peixes "mais ariscos". Apesar da insistência, nada feito, a preocupação do "canonizado" era preparar a "expressividade parenética" que usaria para converter os peixes. Assim ficou o "eu" a ver navios! Hilariante! Adorei...MJ