22 maio 2009

josé alberto oliveira / elogio da solidão








Uma casa para estrear e descobrir
em quantas salas se acomoda a solidão.
Cozinhou o jantar e come atentamente
como todos quantos dividem a comida em silêncio:
o náufrago, o mendigo, o oleiro na lancheira.

Coze o seu barro, um jeito de partir o pão
que deve ao tempo uma lentidão coalhada.
O ruído do vizinho não o incomoda.
Nenhuma fala ou resíduo humano leveda
uma página ao acaso. Pode decidir beber mais vinho
ou inaugurar a leitura de outro livro.
Mesmo sair para beber café e mastigar o frio.

No pasto, a chuva rega a placidez do boi;
abana a cabeça, fumegam as narinas,
desenha-se num fundo de pinhal que o vento
castiga; na caruma molhada pressente-se
o rumor de um cão absorto na ilusão
do que procura. Coisas mínimas, irrisórias,
vão salvar o resto da noite de presumir felicidade.

Lá fora a cidade está cercada na convicção
das suas vidas perdoáveis, mercando
um alimento longamente dispensável
- a respiração em vitualhas e sarcasmos,
a pobreza irresignável e irresolúvel,
o cansaço de não estar só e não querer estar.









josé alberto de oliveira
por alguns dias
assírio & alvim
1992







1 comentário:

Judô e Poesia disse...

Olá,
Este é um espaço de excelência, algo que tem havem com grandes vinhos, fumaça sileciosa de cachimbo e olhar vagando, em busca de tudo, porque este é um cais para a navegação virtual, onde os espíritos poéticos param para o banquete. Abraços. Agradecido pelo que há aqui. Domingos.