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28 agosto 2022

t. s. eliot / east coker

 
 
I
 
No meu começo está o meu fim. Uma após outra
As casas erguem-se e caem, desmoronam, são aumentadas,
São mudadas, destruídas, restauradas, ou onde estavam
Fica um descampado ou uma fábrica ou um desvio.
De pedra velha a edifício novo, de lenha velha a fogos novos,
De fogos velhos a cinzas e de cinzas à terra
Que é já carne, pele e fezes,
Osso de homem e bicho, haste de trigo e folha.
As casas vivem e morrem: há um tempo para edificar
E um tempo para viver e procriar
E um tempo para o vento quebrar a vidraça solta
E abanar o lambril onde se apressa o rato do campo
E abanar o arrás em farrapos lavrado com uma divisa silenciosa,
 
No meu começo está o meu fim. Agora cai a luz
Ao longo do descampado e deixa a funda vereda
Encoberta por ramos, escura na tarde,
Onde te encostas a um talude enquanto passa uma carroça,
E a funda vereda insiste no rumo
Da povoação, no calor eléctrico
Hipnotizada. Numa névoa quente a luz sufocante
É absorvida, não refractada, por pedra cinzenta.
As dálias dormem no silêncio vazio.
Espera pela primeira coruja.
 
                                         Neste descampado
Se não te chegares muito, se não te chegares muito,
A meio de uma noite de Verão, podes ouvir a música
Da débil flauta e do pequeno tambor
E vê-los bailar em redor da fogueira
A associação de homem e mulher
Na dança, a significar matrimónio –
Um honroso e conveniente sacramento.
Dois a dois, conjunção necessária
Um e outro de mão dada ou braço dado,
O que é sinal de concórdia. À roda, à roda do fogo,
Ora saltam as labareda ora se juntam círculos,
Rusticamente solenes ou em gargalhada rústica
Erguem os pés pesados dentro de sapatos toscos,
Pés de terra, pés de argila, erguidos em alegria rural
Alegria daqueles há muito debaixo da terra,
Alimento do trigo. A marcar o tempo,
A marcar o ritmo na sua dança
Como nas suas vidas nas estações vivas
O tempo das estações e das constelações
O tempo da ordenha e o tempo da colheita
O tempo do acasalamento de homem e mulher
E o dos bichos. Pés que se erguem e baixam.
Comida e bebida. Esterco e morte.
 
A madrugada desponta e mais um dia
Se prepara para o calor e o silêncio. No mar o vento da
     madrugada
Encrespa-se e desliza. Eu estou aqui
Ou ali, ou algures. No meu começo.
 
 
 
t. s. eliot
quatro quartetos
trad. gualter cunha
relógio d`água
2004



17 abril 2018

t.s. eliot / o que disse o trovão



(…)

Quem é o terceiro que caminha sempre a teu lado?
Quando conto, só vejo nós dois
Mas quando olho adiante na estrada branca
Há sempre outro caminhando a teu lado,
Deslizando envolvido num manto castanho, embuçado,
Não sei se homem ou mulher
– Mas quem é que caminha a teu lado?

(…)




t.s. eliot
a terra sem vida
tradução maria amélia neto
edições ática
1972





23 fevereiro 2015

t.s. eliot / a terra sem vida


II. UMA PARTIDA DE XADRÊS
(fragmentos)


"Os meus nervos estão mal esta noite. Sim, mal. Fica ao pé de mim.
"Fala comigo. Porque é que nunca falas? Fala.
             "Em que estás a pensar? Em que pensas? Em quê?
"Nunca sei em que estás a pensar. Pensa."


Penso que estamos na viela dos ratos
Onde os mortos perderam os seus ossos.

"Que ruído é este?"
                                   O vento sob a porta.
"Que ruído é este agora? O que está o vento a fazer?"
                                   Nada de novo nada.
                                                                                "Não
"Sabes nada? Não vês nada? Não te lembras
"De nada?"

                    Lembro-me
Que aquelas são pérolas que eram os seus olhos.
"Estás vivo ou não? Não há nada na tua cabeça?"


t.s. eliot
a terra sem vida
tradução maria amélia neto
edições ática




19 junho 2013

t. s. eliot / the four quartets

   

   O tempo presente e o tempo passado
   Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
   E o tempo futuro contido no tempo passado. 
   Se todo o tempo é presente eternamente,
   Todo o tempo é irredimível.
   O que podia ter sido é uma abstracção
   Que fica em perpétua possibilidade
   Apenas num mundo de especulação.
   O que podia ter sido e o que foi
   Apontam  para um só fim, sempre presente.
   Passadas ecoam na memória,
   Descendo o caminho que não tomámos
   Em direcção à porta que nunca abrimos
   Do jardim das rosas. Assim ecoam
   As minhas palavras na tua mente.
                                       Mas qual o desígnio,
   Turbando o pó de um vaso com folhas de roseira,
   Não sei.
   (...)
   Aquilo a que chamamos princípio é muitas vezes o fim
   E fazer um fim é fazer um princípio.
   O fim é de onde começámos. E cada expressão
   E cada frase que está certa (onde cada palavra em sua casa
   Ocupa o lugar em que sustenta as outras,
   Sem desconfiança nem ostentação, a palavra,
   Um comércio fácil entre o velho e o novo,
   A palavra comum exacta e sem vulgaridade,
   A palavra formal precisa e não pedante,
   Os cônjuges completos dançando em conjunto),
   Cada expressão e cada frase é um fim e um princípio,
   Cada poema, um epitáfio. E toda a acção
   É um passo para o patíbulo, para a fogueira, pelas goelas do mar
                                                                                  [abaixo
   Ou para uma pedra ilegível: e é aí que começamos.
    Morremos com os que morrem:
   Vê, eles partem e nós vamos com eles.
   Nascemos com os mortos:
   Vê, eles regressam e trazem-nos com eles.
   O momento da rosa e o momento do teixo
   São de igual duração. Um povo sem história
   Não se redime do tempo, pois a história é uma teia
   De momentos intemporais. Por isso, enquanto a luz se extingue
   Numa tarde de Inverno, numa capela isolada,
   A história é agora e a Inglaterra.

   Com o atrair deste Amor e a voz desta Vocação
   Não cessaremos de explorar
   E o fim de toda a nossa exploração
   Será chegar aonde começámos
   E conhecer o lugar pela primeira vez
   Pelo portão desconhecido, relembrado,
   Quando o último da terra partiu para descobrir,
   É aquilo que era o princípio;
   Na nascente do mais longo rio
   A voz da cascata oculta
   E as crianças na macieira
   Não conhecidas porque não procuradas,
   Mas ouvidas, semiouvidas na quietude
   Entre duas ondas do mar.
   Depressa agora, aqui, agora, sempre -
   Uma condição de total simplicidade
   (que custa nada menos do que tudo)
   E tudo estará bem e
   Toda a espécie de coisas estará bem
   Quando as línguas de chama se enlaçam
   E recolhem ao nó de fogo coroado
   E o fogo e a rosa são um só.



   t. s. eliot
   the four quartets
   leituras poemas do inglês
   trad joão ferreira duarte
   relógio d'água
   1993



27 setembro 2012

t. s. eliot / east coker


  

V

E assim aqui estou, no meio caminho, tendo passado vinte anos —
Vinte anos muito mal gastos, os anos de l'entre deux guerres —
A tentar aprender a usar as palavras, e cada tentativa
É um inteiro recomeço e um diferente tipo de fracasso
Pois apenas se aprendeu a tirar o melhor das palavras
Para aquilo que já não tem de se dizer, ou para a maneira pela qual
Já não se está na disposição de o dizer. E assim cada investida
É um novo começo, uma incursão no inarticulado
Com equipamento gasto sempre pronto a deteriorar-se
Na desordem geral de sentimentos imprecisos,
De indisciplinados pelotões de emoção. E o que há para conquistar,
Por força e obediência, já antes foi descoberto
Uma vez ou duas, ou várias vezes, por homens que não podemos ter esperança
De emular — mas não se trata de competição —
Trata-se apenas da luta para recuperar o que se perdeu
E achou e perdeu outra e outra vez: e agora, sob condições
Que parecem desfavoráveis. Mas talvez nem ganho nem perda.
Para nós, há apenas a tentativa. O resto não é connosco.

A casa é de onde se começa. À medida que envelhecemos
O mundo fica mais estranho, o padrão mais complicado
De mortos e de vivos. Não o momento intenso
Isolado, sem antes nem depois,
Mas uma vida inteira a arder em cada momento
E não a vida inteira de apenas um homem
Mas de velhas pedras que não podem ser decifradas.
Há um tempo para o anoitecer sob a luz das estrelas,
Um tempo para o anoitecer sob a luz do candeeiro
(A noite com o álbum das fotografias).
O amor é mais aproximadamente ele próprio
Quando o aqui e o agora deixam de importar.
Os homens quando velhos deviam ser exploradores
Aqui ou acolá não importa
Temos de estar quietos e quietos mover-nos
Para uma outra intensidade
Para uma ulterior união, um comungar mais fundo
Através do frio escuro e da desolação vazia,
O grito da onda, o grito do vento, as vastas águas
Da procelária e do golfinho. No meu fim está o meu começo.





t. s. eliot
quatro quartetos
trad. gualter cunha
relógio d`água
2004