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01 janeiro 2020

paul strand / elegia pelo meu pai




6 -  O ANO NOVO

É inverno e o ano novo
Ninguém te conhece.
Longe das estrelas, da chuva de luz,
Estás deitado sob um tempo de pedras.
Não há linha para te guiar de volta.
Os teus amigos dormem na escuridão
do prazer e não conseguem lembrar-se.
Ninguém te conhece. És o vizinho de nada.
Não vês a chuva a cair e o homem a afastar-se,
O vento terroso a soprar as suas cinzas por toda a cidade.
Não vês o sol a puxar a lua como um eco.
Não vês o coração ferido a incendiar-se.
Os crânios dos inocentes a tornarem-se fumo.
Não vês as cicatrizes de muitos, os olhos sem luz.
Acabou. É inverno e o ano novo.
Os submissos arrastam as suas peles para o céu.
Os desesperados sofrem o frio com os que não têm nada a esconder.
Acabou e ninguém te conhece.
Está a luz de uma estrela a flutuar na água preta.
Estão pedras no mar que ninguém viu.
Está uma margem e as pessoas esperam.
E ninguém volta.
Porque acabou.
Porque é silêncio em vez de um nome.
Porque é inverno e o ano novo.




paul strand
apeadeiro
revista de atitudes literárias
nr. 2 primavera 2002
tradução josé luís peixoto
edições quasi
2002





14 novembro 2019

paul strand / elegia pelo meu pai



1 -  O CORPO VAZIO

As mãos eram tuas, os braços eram teus,
Mas tu não estavas lá.
Os olhos eram teus, mas estavam fechados e não iriam abrir.
O sol distante estava lá.
A lua envenenada no ombro branco da colina estava lá.
O vento em Belford Basin estava lá.
A luz verde pálida do inverno estava lá.
A tua boca estava lá,
Mas tu não estavas lá.
Quando alguém falava, não havia resposta.
Nuvens desciam
E enterravam os prédios pela água,
E a água estava silenciosa.
As gaivotas olhavam.
Os anos, as horas, que não te iriam encontrar,
giravam nos pulsos de outros.
Não havia dor. Tinha partido.
Não havia segredos. Não havia nada para dizer.
A sombra espalhara as suas cinzas.
O corpo era teu, mas tu não estavas lá.
O ar tremia contra a sua pele.
O escuro inclinou-se para os seus olhos.
Mas tu não estavas lá.




paul strand
apeadeiro
revista de atitudes literárias
nr. 2 primavera 2002
tradução josé luís peixoto
edições quasi
2002