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22 outubro 2024

julio martínez mesanza / a torre no descampado

 
 
Só à ordem aspiro, e à beleza
que em mulher não cabe. Só aspiro
à vida que não duvida, que cumpre
sem sombras os desígnios, sem intriga.
Eu quero a claridade das espadas,
a claridade de potentes formas.
No descampado a torre me deslumbra,
para a torre vou. Mesmo que me aguarde
a desdentada boca do escárnio,
a fraude da palavra do sofista,
a machadada dupla que o traidor ergue
um corpo de mulher ou só um corpo,
da torre avistarei a ignomínia.
 
 
 
julio martínez mesanza
poesia espanhola de agora I
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1997
 



10 março 2021

julio martínez mesanza / cidade de muitas torres

 
 
Durante muitos anos construíram
sólidas torres. Fizeram-nas altas:
torres de ataque e torres defensivas,
e ao combate civil se acostumaram.
Depois a emulação e o ouro escasso
buscaram os mais pobres materiais.
Amiúde caía uma das torres:
também se acostumaram ao escombro.
Por atacar a lei sobre edifícios
desse lugar absurdo me expulsaram.
Ao ver pela primeira vez de longe
aquela proliferação de torres
que nenhuma muralha protegia,
causou-me riso um símbolo evidente.
Desde então eu dedico os meus esforços
a investigar a causa dessas torres,
a redigir libelos infamantes,
a treinar minha hoste mercenária.
 
 
 
julio martínez mesanza
trípticos espanhóis 1º.
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1998






 

18 março 2019

julio martínez mesanza / os sonhos do guerreiro




Se à meia-noite te desperto, amada,
é por ter visto sombras doutro tempo.
Deves beijar-me então e escudar-me
sem perguntar por que me treme a boca
nem de onde este sangue que me suja
ou este terror imenso dimanam.
Prescreve a vitória, não a lembrança
da primeira ferida que nos culpa.



julio martínez mesanza
trípticos espanhóis 1º.
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1998







31 janeiro 2019

julio martínez mesanza / quando regressa maio




Quando regressa Maio esqueço sempre
que o inverno me dizimou a hoste. Sonho
com sangue quando Maio me faz jovem
e não conto com o número de mulas
doentes, nem me lembro dos cavalos
que não suportarão outra campanha.
Sou em Maio o meu ser que não detesto
e não essa tardia sombra que medita.
Não me reconheço em Maio. Multiplico
com energia as ofensas e provoco
ao justo e ao injusto, ao estrangeiro,
ao da terra, ao aliado. Mando cartas
injuriosas para todos os lados,
entusiasmo-me quando me devolvem
a injúria e pronta guerra aceitam.
É melhor em Maio sermos insolentes
do que arrastarmos a fama nos torneios.



julio martínez mesanza
trípticos espanhóis 1º.
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1998






23 agosto 2017

julio martínez mesanza / tartária




Quando ao meu estéril coração eu volto,
pelas eternas dúvidas assolado,
penso em Tartária, em gélidos desertos,
e uma sombra começa a tomar forma
e uma forma se encarna lentamente,
enquanto me conquista a débil vontade.
Desejo então que o cavaleiro eterno,
a quem perturbam as imensas distâncias,
cheio de sobressalto, se ponha em marcha.



julio martínez mesanza
trípticos espanhóis 1º.
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1998




07 março 2012

julio martínez mesanza / las trincheras





Caíram as torres, e o deserto
é agora do tamanho da alma:
as torres que levantei, o deserto
que eu quis manter afastado da alma.
Os inimigos que inventei morreram,
se há outros não quero imaginá-los:
portanto, não virão os inimigos.
E os amigos não virão também,
como não irei eu a parte alguma:
ficaram apanhados nos seus reinos,
perplexos como eu, sem esperança,
e olham as torres desmoronadas
que foram sua paixão e defesa,
dono de suas almas o deserto.




julio martínez mesanza
las trincheras
trípticos espanhóis 1º.
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1998