perceber que quando o sol se tapa o mar escurece
ter tempo
ver as sombras no tecto, a efervescência das palavras,
as árvores a tentar respirar contra o vento, coitadas
fazer festas aos cucos, namoriscar os pássaros,
ter ideias boas.
fazer testes ao vácuo,
observar a consistência da alegria,
escrever palavras ao acaso.
mergulhar.
processar as dores, a estupefacção com a crueldade e a ganância,
perceber apenas o medo, apenas.
observar calada a tua alegria de flor pelas vitórias inacabadas.
ver filmes a meio do dia com uma manta nas pernas
comer porcarias e chocolates
não sentir culpa nenhuma.
andar.
deixar o mundo andar sem olhar para ele
(ele anda sozinho)
olhar para o que não se vê
não ter raiva do inverno nem da chuva,
saber que a utopia anda às elipses como boa tartaruga.
dar beijos à luta para não esquecer o sabor que ela tem,
dançar.
não usar vendas no cérebro ou no coração,
não dizer “sim, mas…”.
perder-se no meio de um livro para encontrar outro
deixar para amanhã o que se pode fazer hoje.
escrever com as mãos geladas nas esplanadas
não ter medo que as esplanadas voem,
ou de lavar o caderno nas lágrimas.
pensar, escrever cartas, não pensar.
perceber que o vento assobia no pescoço antes de entrar nas
nas orelhas,
que se pode chorar de prazer quando se ri,
qual o tamanho do ecrã na casa.
dizer adeus e ficar dentro das pessoas.
falar com quem se gosta sem ver.
dançar com a música em mute.
deitar-se devagarinho.
férias, meu amor, é bom.
judite canha fernandes
o mais dofícil do capitalismo
é encontrar o sítio onde pôr as
bombas
editora urutau
2018