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26 agosto 2018

josé gomes ferreira / memória



VIII

         (Skerzo)


Enterrava-se a noite
e às vezes também os astros
na alegria das férias
– para dar destinos azuis
Às raízes dos cardos
Cheias de estrelas
Estéreis.


josé gomes ferreira
poesia V
memória-II  1959
portugália
1973






04 julho 2018

josé gomes ferreira / as flores, a lua, o sol, as estrelas, o vento




XXV

                 (Pós-escrito a favor-contra o alfabeto poético.)


As flores, a lua, o sol, as estrelas, o vento
não são palavras apenas
para tecer poemas.

Existem em carne e dor (com caveira).

E iluminam o papel
com que as palavras criam
para além da pele
– a luz verdadeira.


josé gomes ferreira
idílio de recomeço 1961
poesia IV
portugália
1971






21 agosto 2017

josé gomes ferreira / e ficámos para sempre nos olhos das aves




X
E ficámos para sempre nos olhos das aves
naquela noite em que os corações das flores
bateram no chão das nossas sombras.

Mas eras tu de facto que ias a meu lado?

Ou o meu sonho de ti
num corpo aproveitado?



josé gomes ferreira
gomes leal 1948
poesia III
portugália
1971





25 maio 2017

josé gomes ferreira / debaixo deste sol, outro sol coincidente…



                           (Depois de reler Teixeira de Pascoaes.)



Debaixo deste sol, outro sol coincidente…
Por dentro das pedras, outras pedras de bruma…

Feliz gente!
Com duas realidades
– e eu sem ter nenhuma.


josé gomes ferreira
eléctrico 1943-1944-1945
poesia III
portugália
1971




13 fevereiro 2017

josé gomes ferreira / a morte para nós, a turbamulta


XIII

A morte para nós, a turbamulta,
nada descerra
nem oculta…

É apenas este ritmo entre nós e a Terra.


josé gomes ferreira
café 1945-1946-1947-1948
poesia III
portugália
1971




19 novembro 2016

josé gomes ferreira / depois vieste tu



XVIII

               (Experiência.)


Depois vieste tu
(tu quem?)
e meteste nos sonhos, no mel, nos cravos
as pedras que piso..
E apedrejaste a morte
com o teu sorriso.


josé gomes ferreira
poesia V
memória-I 1957-1958
portugália
1973



20 junho 2016

josé gomes ferreira / olho para o céu imenso



VII

Olho para o céu imenso
com desespero comovido..
Aquela nuvem sou eu que a penso
ou nada tem sentido


josé gomes ferreira
poesia II
areia 1938
portugália
1962



03 janeiro 2016

josé gomes ferreira / comício



Vivam, apenas.

Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.

Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.

Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.

E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.

Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!


josé gomes ferreira
comício 1934
poesia I
portugália
1972




07 novembro 2015

josé gomes ferreira / poema


(O Eugénio de Andrade espera-me num Café.
Atravesso as ruas do Porto – a cidade onde
nasci – com os punhos cerrados de dor.)



Não nasci por acaso nestas pedras
mas para aprender dureza,
lume excedido,
coragem de mãos lúcidas.

Aqui no avesso da construção dos tempos
a palavra liberdade
é menos secreta.

Anda nos olhos da rua
pega lanças aos gestos,
tira punhais das lágrimas,
conclui as manhãs.

E  principalmente
não cheira a museu azedo
ou musgo embalado
pela chuva da boca dos mortos.

Começa nos cabelos das crianças
para me sentir mais nascido nestas pedras.

Porto
 – cidade de luz de granito.

Tristeza de luz viril
com punhos de grito.



josé gomes ferreira
daqui houve nome portugal
antologia de verso e prosa sobre o porto
organizada e prefaciada por eugénio de andrade
editorial inova
1968




10 julho 2015

josé gomes ferreira / as crianças



XIII

As crianças
atiravam o Sol umas às outras
a brincarem no pátio
entre gritos alegres de poeira.

Não percebo porque os deuses
em vez de viverem com os homens
nos esperam na sombra
com caveiras de incenso
e invenção de pequenos enredos na morte
para entreter o silêncio.


josé gomes ferreira
memória I 1957-1958
poesia V
portugália
1973



07 junho 2015

josé gomes ferreira / hoje para mim o sonho e a realidade



XXXIII

Hoje para mim o Sonho e a Realidade
confundem-se no mesmo fel lascivo
de subterrâneo sujo…

Mentira?... Verdade?...
Sei lá se sonho ou vivo!
(Fujo.)


josé gomes ferreira
gomes leal 1948
poesia III
portugália
1971




23 abril 2015

josé gomes ferreira / deslumbramento



LVII

Deslumbramento
desta manhã mil vezes repetida
com o ouro das mãos do sol
a apalparem o vento,
o vento-fêmea que se despe num lençol
e nos seios da roupa estendida.

Peles de cadáveres que uma volúpia branca desespera
─ enforcados pela cólera da primavera.


josé gomes ferreira
café 1945-1946-1947-1948
poesia III
portugália
1971



24 fevereiro 2015

josé gomes ferreira / ouve, tu que não estás no céu


                    (Prelúdio, em forma de grito, para
                    um livro de confissões pessoais que
                    nunca escreverei.)


XXII

Ouve, tu que não estás no céu:

Estou farto de escavar nos olhos
abismos de ternura
onde cabem todos
- menos eu!

Estou farto de palavras de perdão
que me ferem a boca
dum frio de lágrimas quentes de punhal!

Estou farto desta dor inútil
de chorar por mim nos outros!

- Eu que nem sequer tenho a coragem de escrever
os versos que me fazem doer!



josé gomes ferreira
poesia II
pessoais 1939-1940
portugália
1962





10 dezembro 2014

josé gomes ferreira / nunca encontrei um pássaro morto na floresta


V

Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.

Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas…

Os pássaros quando morrem
caem no céu.


josé gomes ferreira
melodia 1932
poesia I
portugália
1972




22 novembro 2014

josé gomes ferreira / e aqui estou à espera!...



XI

E aqui estou à espera!...
─   com  este destino
de dar sombra aos muros…

Mas à espera de quê?

Que o despenhar no abismo
me crie enfim asas?



josé gomes ferreira
cabaré 1933
poesia I
portugália
1972




14 outubro 2014

josé gomes ferreira / extrai do todos-os-dias


I

                               (Didáctica.)

Extrai do todos-os-dias
o hoje de todo-o-sempre
até ao fim do mundo
quando o sol gelar
a última eternidade.

Embala amanhã nos braços dos outros
a criança esquecida
que foi agora atropelada
por mil automóveis
em todas as ruas do mundo…

Procura nas lágrimas recentes
os olhos que hão-de chorá-las
daqui a dez mil anos…

E se queres a glória
de ser ignorado
pelo egoísmo do futuro
ouve, Poeta do Desdém Novo:
canta os mortos das barricadas
e a volúpia das dores do tempo.

(Mas pede às rosas
que continuem a repetir-se
até ao fim das pedras…
─  em memória do sangue apagado dos homens.)



josé gomes ferreira
pessoais 1939-1940
poesia III
portugália
1971




28 julho 2014

josé gomes ferreira / ouve, semente



Ouve, semente
que o vento trouxe:
a terra para que em flores rebente
também é movediça e doce?


josé gomes ferreira
província
1945
poesia III
portugália
1971



06 março 2014

josé gomes ferreira / devia morrer-se de outra maneira



"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: «Fulano de tal
comunica a V. Ex.ª que vai transformar-se em nuvem
hoje às 9 horas. Traje de passeio».
E então, solenemente, com passos de reter tempo,
fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos
todos assistir à despedida.
Apertos de mão quentes. Ternura de calafrio.
«Adeus! Adeus!»
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos...
em seguida, os lábios... depois, os cabelos...) a carne,
em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) - nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."

  

josé gomes ferreira



22 fevereiro 2014

josé gomes ferreira / que me importa


II

Que me importa
que  o mundo não tenha sentido
se por aquela porta
entra o bafo comovido
desta luz macia
que em flores se gera.

Viva a anarquia
da primavera!



josé gomes ferreira
café
1945-1946-1947-1948
poesia III
1943-1944-1945
portugália
1971