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08 dezembro 2009
alejandra pizarnik / um sonho onde o silêncio é de ouro
O cão do inverno ferra o meu sorriso. Foi na ponte.
Eu estava nua e levava um chapéu com flores e
arrastava o meu cadáver também nu e com um
chapéu de folhas secas.
Tive muitos amores – disse – mas o mais formoso foi
o meu amor pelos espelhos.
alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002
06 janeiro 2009
alejandra pizarnik / conto de inverno
A luz do vento entre os pinheiros - compreendo
estes sinais de tristeza incandescente?
Um enforcado balança-se na árvore marcada com a cruz
lilás.
Até que conseguiu deslizar fora do meu sonho e
entrar no meu quarto pela janela, com a cumplicidade
do vento da meia-noite.
alejandra pizarnik
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
tradução de josé bento
assírio & alvim
2001
21 novembro 2007
alejandra pizarnik / festa
Desdobrei a minha orfandade
sobre a mesa, como um mapa.
Desenhei o meu itinerário
até ao meu lugar ao vento.
Os que chegam não me encontram.
Os que espero não existem.
E bebi licores furiosos
para transmutar os rostos
num anjo, em copos vazios.
alejandra pizarnikantologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002
06 setembro 2007
alejandra pizarnik / um abandono
Um abandono em suspenso,
ninguém é visível sobre a terra.
Só a música do sangue
assegura residência
num lugar tão aberto.
alejandra pizarnick
antologia poéticatrad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002
11 fevereiro 2007
alejandra pizarnik / caminhos do espelho
I
E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo.
II
Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro
no limite afiado da noite.
III
Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho
subitamente esbatida pela chuva.
IV
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.
V
Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda,
o ramo que o vento abandona no umbral.
VI
Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás
e afugenta a menina que foste.
VII
A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.
VIII
E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo,
no poço, bebia, recordo.
IX
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.
X
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida.
Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento.
Tudo fechado e o vento dentro.
XI
Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.
XII
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo.
Não, não estou só. Há alguém aqui que treme.
XIII
Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem.
E o que desejava eu?
Desejava um silêncio perfeito.
Por isso falo.
XIV
A noite parece um grito de lobo.
XV
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver,
fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela
que dorme num país ao vento.
XVI
A minha queda sem fim na minha queda sem fim
onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava
outra não vi senão a mim mesma.
XVII
Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu
embora me referisse à aurora luminosa.
XVIII
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul.
A água treme cheia de vento.
XIX
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã.
Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada
que não cessa de passar pelo espelho.
Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto,
hei-de compreender o que a minha voz diz.
Alejandra Pizarnik
Extracção da Pedra da Loucura
(1968), tradução de Luciana Leiderfarb
Construções Portuárias #1,
Maio de 2002
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