28 abril 2009

ingeborg bachmann / uma espécie de perda









Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.








ingeborg bachmann
o tempo aprazado
(últimos poemas 1957-1967)
trad. judite berkemeier e joão barrento
assírio & alvim
1992




2 comentários:

Wanderley Elian Lima disse...

OLá, passei para lhe convidar a conhecer meu blog. ´Vou gostar muito .
Um abraço

Luís Costa disse...

certamente este poema será dedicado a Paul Celan.
Um livro que aconselho, se ainda nao leu; com a correspondência entre Paul Celan e Ingeborg "Herzzeit", Briefwechsel " (2008).
netse momento encontra-se no meu blogue um poema de Paul Celan traduzido por mim com uma breve biografia sobre o mesmo. Se quiser visitar, a porta está aberta.