19 setembro 2007

achado entre os papéis de família




Sonhei tanto, tanto que já nem sequer aqui estou.
Não me façam mais perguntas, não me atormentem mais.
Não me acompanhem neste meu calvário.

Não me é dado explicar quais as ordens que tenho.
Nem mesmo me assiste o direito de pensar nisso,
Há muito tempo já que me levanto e parto.

Há uma permissão da morte, e ei-la que chega.
Na curva da rua que vai dar à noite é que a espero.
O mar vai estar de novo nos últimos terraços.
Um candeeiro de novo aceso sente o desejo das trevas.
Um passo no empedrado. A sombra dele precede-o
E deita-se sobre mim, a cabeça no meu coração.
Ali está ele.

Sempre de chapéu redondo, sempre de saco na mão
Tal como era no dia em que regressou de Itália.
Já não lhe vejo os olhos. Já me não fala.

Eis que rolo até ele como uma obscura pedra.
Não consigo atravessar a sua sombra.
Portaste-te como devias? E desde então que fizeste?
E porque não subiste?
Todos os dias ia ver se chegavas e não chegaste nunca!

Ele nada diz sobre tudo isto.
Mas tudo nele me diz: lembra-te!

Sobre ele a noite tornou a fechar-se.








léon-paul fargue
sous la lampe: suite familiére-banalité
gallimard-nouvelle revue française, 1929
tradução de nicolau saião






Sem comentários: