11 outubro 2004

polaróide mínima #001




António Franco Alexandre

Nasceu em Viseu em 17 de Junho de 1944. Estudou Matemática e Filosofia em Toulouse, França, e em Harvard nos EUA.

É professor de Filosofia na Universidade de Lisboa desde 1975 e publicou o seu primeiro livro, “Distância” em 1969.

Entre outros prémios literários, recebeu, em 1983, o Grande Prémio de Poesia do PEN Clube Português (“A Pequena Face”), o Prémio da Associação de Escritores Portugueses (“Quatro Caprichos”) e, em 2003, o Prémio D. Dinis (“Duende”).

Bibliografia:

1969 - “A distância”, Lisboa : D. Quixote, 72 p. ; 18 cm.
1974 - “Sem palavras nem coisas”, Lisboa : Iniciativas Editoriais, 61 p. ; 18 cm
1979 - “Os objectos principais”, Coimbra : Centelha, 46 p. ; 18 cm. - (Poesia nosso tempo ; 26)
1982 - “Visitação”, Porto : Gota de Água, 93 p. ; 20 cm
1983 - “A pequena face”, Lisboa : Assírio & Alvim, 62 p. ; 21 cm. - (Cadernos peninsulares. Literatura ; 22)
1987 - “As moradas 1 & 2”, Lisboa : Assírio & Alvim, 54 p. ; 21 cm. - (Cadernos peninsulares. Literatura ; 28)
1992 - “Oásis”, Lisboa : Assírio & Alvim, 59 p. ; 21 cm. - (Peninsulares. Literatura ; 41)
1996 - “Poemas”, Lisboa : Assírio & Alvim, 421 p. ; 21 cm. - (Documenta poética ; 32)
1999 - “Quatro caprichos”, Lisboa : Assírio & Alvim, 83 p. ; 21 cm. - (Peninsulares. Literatura ; 54)
2001 - “Uma fábula”, Lisboa : Assírio & Alvim, 73 p. ; 21 cm. - (Peninsulares. Literatura ; 66)
2002 - “Duende”, Lisboa : Assírio & Alvim, 60 p. ; 21 cm. - (Poesia inédita portuguesa )
2004 - “Aracne”, Lisboa : Assírio & Alvim, 47 p. ; 21 cm


Leitura
de “Quatro Caprichos”, Assírio & Alvim, Lisboa 1999



(…)
26
não me importa o amor que tenhas
e o amor não se dá nem tem nada para dar
as tuas mãos nas minhas são o tempo que volta
a mover sombras de nanquim, e nos teus lábios
é o sabor a tinta que me atrai.
Ebbro d’inchiostro é mais bonito, quando
ao calor de agosto as bocas se desatam
e as línguas mordem a brancura do linho.

27
venho dormir junto de ti
e o meu corpo é uma coisa diferente
do que se vê ou toca ou sente;
é, fora de mim, essa coluna de ar onde respiro,
olhos que beijam o teu corpo exacto,
as muitas mãos que dobram o teu rosto.
Um deus que dorme, um deus que dança, e mais
que um mero deus, o breve amor do tempo.

28
engana-se o rapaz com as suas flechas
não conhece a razão o sexo e o tempo
fere no corpo o flanco mais austero
confunde-nos aos rios o amo e tejo
é direito e quadrado como um fuso
de criança cresceu e cego alveja
o olhar, e a boca que o olhar perdeu.

29
como me sinto livre
nestas ruas quadradas, infinitas arcadas
que a renascença não tocou!
Já não passam cavalos pela via Po
mas ainda te avisto, ufficiale tedesco,
nas ruas oficiais, limpas e sérias,
outro completamente, e solto
da névrose nationale. Aqui os ramos
das árvores são nítidos
contra o céu de púrpura molhada,
glorioso o anoitecer do rio!
O vinho refresca e arde no dia completo,
como não estar grato? Assim te conto
a minha vida, a sua, extática e vazia,
o fogo e a graça, aula de gaya scienza
gaio disonore.

30
já também desta imagem me separo
deste céu amplo onde nem os ossos me cabem
nem a sombra tão maior do que o corpo.
Vou-te deixar como um nome bárbaro
às portas de roma, uma coisa
vagamente antropológica para a
Antologia do Amor no Século XX
capítulo estranhezas & curiosidades.
Já tu, inocente, metes na mala
todo o possível, e algum impossível,
todas as nuvens que prometiam chuva,
todo o rumor por dentro do silêncio,
as colinas, o rio, a paisagem das janelas;
vou ficar triste e só como uma mão que seca.

31
ah a força do amor devia tornar
os corpos transparentes, até ao centro opaco
onde desejam. Se deste amor tão raro
te desejo, como pode
o duro deus negá-lo?
Este resto de vida que me cabe,
o veneno na taça, o corpo espesso,
como vivê-los sem a sombra de água
sem a língua de lume do teu sangue?

32
É tão cedo que somos como dois ladrões
ao sair de casa. Não sei dizer-lhe
adeus; é ele quem tem o sorriso e a força,
o recado para Marco, como lhe chama, que ficou
dormindo. E o avião parece
despenhar-se numa nuvem, num turbilhão de pássaros.

33
vai ser sublime
a dor que fica presa aos olhos,
o amor exacto que perdura.
Ensino-te maneiras, hebraico, filosofia,
a diferença que magoa e mata,
a indiferença que magoa e mata. Vai ser
uma amizade sem tabaco nem drogas,
quimicamente pura e sem sonetos.
Mais tarde receberei a coroa de linho
amoris causa, das tuas mãos decentes.
(…)
pags. 42 a 45