Mostrar mensagens com a etiqueta silvia ugidos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta silvia ugidos. Mostrar todas as mensagens

17 dezembro 2018

silvia ugidos / os dias traidores




São esses que nos passam pelas mãos
com gestos quotidianos,
onde nunca acontece
nada mais senão a vida
com minúscula, quero dizer.
Os do chá com limão enquanto lá fora chove
e se fuma no café para passar a tarde,
os do regresso a casa pelas ruas do costume.
São os dias das coisas pequenas
que secretamente pactuam connosco
o peso dos anos.
Os dias traidores:
silenciosos, amáveis
são o futuro que pouco a pouco aproximam
o oculto abraço da morte
com a mesma doçura
com que os braços do amigo acolhem o meu cansaço.



silvia ugidos
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000








09 março 2017

silvia ugidos / canção de inocência




Não acreditávamos nos velhos provérbios
que vaticinam que a ventura é breve
e o amor
um enganoso fruto de coração incerto.

Não acreditávamos nos velhos provérbios
e fizemos bem,
quem poderá negar que durante um tempo
fomos felizes, semelhantes a deuses,
que nunca então o medo nos tocou
nem era possível incerteza nos nossos sonhos.

Não acreditávamos nos velhos provérbios…
Mas isto era ainda no tempo em que
desconhecíamos as sombras e os ardis
os tribunais funestos que o amor ampara
e os tributos amargos que depois exige o desamor.



silvia ugidos
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000



07 fevereiro 2017

silvia ugidos / traçado urbanístico


Tal como qualquer cidade
também nós escondemos
turvos itinerários, edifícios arruinados,
escuras vielas de rancor ou desejo,
arrabaldes de medo ou parques para o amor,
cantos em penumbra onde ocultar segredos,
praças que nunca visitamos
e aborrecidos museus onde expor lembranças
que não interessam a ninguém.
A nós
também nos habitam cidadãos terríveis:
funcionários do tédio,
mensageiros de moto levando para muito longe
o pequeno embrulho – primoroso e com laço –
dos remorsos.
Viajantes que passam por nós
com as suas malas a caminho de outros corpos
e sobretudo
transeuntes alheios a nossa própria vontade,
incivis e teimosos;
têm nomes ridículos
tal como os sentimentos amor, rancor ou medo
e especulam – como vulgares comerciantes –
com o preço
por metro quadrado do nosso coração.


silvia ugidos
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000