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14 outubro 2019

pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci



VI

Vou-me, deixo-te ao entardecer
que, embora triste, tão suave desce
para nós, os vivos, com a luz lívida

que se cola ao bairro na penumbra.
E o transforma. Torna-o maior, mais vazio,
em redor, e, mais ao longe, faz despertar

a raiva de uma vida que do rouco
rolar dos eléctricos, dos gritos humanos,
dialectais, faz um concerto turvo

e absoluto. E sente-se que, naqueles seres
vivos que, ao longe, gritam, riem,
nos seus veículos, nos míseros

casarios onde se consome o falso
e expansivo dom da existência –
a vida não é senão um frémito;

presença carnal, colectiva;
sente-se a ausência de uma religião
verdadeira: não vida, mas sobrevivência

– mais alegre, talvez, do que a vida – como
de um povo de animais, em cujo secreto
orgasmo não há outra paixão

senão a do labor quotidiano:
fervor humilde que dá um ar de festa
à humilde corrupção. Que mais inútil se torna

– neste vazio da história, nesta
ruidosa pausa em que a vida se cala –
um ideal qualquer, mais se revela

a maravilhosa e ardente sensualidade,
quase alexandrina, que tudo tinge
e impuramente ilumina, quando aqui,

neste mundo, algo desaba, e o mundo
se arrasta na penumbra para reentrar
em praças vazias, tristes oficinas…

já se acendem as luzes, constelando
a Via Zabaglia, a Via Franklin, todo o
Testaccio, austero entre o seu grande

e sujo monte, as margens do Tibre, o negro
pano de fundo que, para lá do rio, Monteverde
adensa ou esfuma, invisível, contra o céu.

Diademas de luzes que se perdem,
deslumbrantes, frios, de uma tristeza
quase marinha… Falta pouco para o jantar;

brilham os raros autocarros do bairro,
com cachos de operários às portas,
e bandos de militares vão, sem pressa,

para o monte que esconde, entre aterros
húmidos e secos montes de lixo,
emboscadas na sombra, pequenas prostitutas

que esperam, febris, naquele lixo
afrodisíaco: e, ali perto, entre casotas
proscritas, à beira do monte, ou no meio

de prédios, que parecem mundos, crianças
leves como trapos brincam na brisa
já não fria, primaveril; ardentes

de leveza juvenil, adolescentes morenos
assobiam nos passeios, na bela noite romana
do mês de Maio, numa festa

vespertina; e num rumor festivo voltam a fechar-se
as portadas de ferro das garagens,
quando a escuridão serenou o anoitecer,

e, no meio dos plátanos da Piazza Testaccio
o vento que esmorece em arrepios de vendaval
é muito suave, embora rase ainda os muros velhos

e o terraço do Matadouro, e aí se embeba
de sangue podre, e por todo o lado
remexe restos e cheiros de miséria.

A vida é um sussurro, e os que nela assim se
perdem, perdem-se serenamente,
se de vida têm o coração cheio; e vêem-se

a gozar, míseros, o final do dia; e, poderoso
entre gente tão fraca, o mito renasce
para eles… Mas eu, com o coração consciente

de quem só na história tem a vida,
poderei agir de novo com pura paixão,
se sei que a nossa história terminou?

1954




pier paolo pasolini
le ceneri di gramsci
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005







03 maio 2019

pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci


V

Não falo do indivíduo, do ardor
sensual e sentimental…
outros vícios terá, outro é o nome

e a fatalidade do seu pecado…
Mas há nele tantos outros vícios comuns,
de antes de ter nascido, e um tão grande

pecado objectivo! Os actos
nele ou fora dele nascidos, que o fazem
despertar para a vida, não escapam a uma só

das religiões que na vida existem,
hipotecas de morte, instituídas
para enganar a luz, iluminar o engano.

Se os seus restos se destinam a ser
sepultados no Verano, é católica
a sua luta com eles: jesuíticas

as manias a que habitua o coração;
e ainda mais intimamente: na sua consciência
há astúcias bíblicas… e um irónico ardor

liberal… e a tosca luz, entre náuseas
de dandy provinciano, de uma saúde
provinciana… Até aos ínfimos detalhes

em que se esfumam, num fundo animal,
a Autoridade e a Anarquia… Bem protegido
da virtude impura e da embriaguez do pecado,

defendendo uma ingenuidade de obcecado,
e com quanta consciência!, assim vive o eu: assim
vivo, iludindo a vida, tendo no peito

o sentimento de uma vida que seria esquecimento
dolorido, violento… Ah como
compreendo, mudo neste húmido rumor

do vento, aqui onde Roma é silêncio,
por entre os ciprestes cansadamente revolvidos,
junto de ti, a alma a quem uma inscrição chama

Shelley… Como compreendo o turbilhão
dos sentimentos, o capricho (grego
no coração do patrício, visitante

nórdico) que o engoliu no ofuscante
azul do mar Tirreno; a alegria
carnal da aventura, feita de beleza

e de infância: enquanto a Itália, prostrada
como no ventre de uma cigarra
enorme, escancara brancos litorais,

salpicados, no Lácio, por velados bosques
de pinheiros, barrocos, amareladas
clareiras de eruca, onde dorme

com o membro túrgido envolto nos andrajos, num sonho
goethiano, o rapazinho de Ciociaria…
Sombreados, na Maremma, por rastos deslumbrantes

de sagitários onde se destaca a mancha clara
das avelaneiras, nos carreiros que um pastor
enche, sem saber, da sua juventude.

De uma fragrância alucinante nas enxutas
curvas da Versilia, que para o mar,
emaranhado, cego, volta os estuques claros,

e os leves embutidos dos seus campos
pascais totalmente humanos,
sombrios em todo o Cinquale,

nítidos no sopé das tórridas Apuanas,
vítreos azuis sobre o cor-de-rosa… Semeados de rochedos,
escombros, revolvidos, como por um pânico

de fragrância, na Riviera, húmida,
escarpada, onde o sol luta com a brisa
para dar suprema suavidade aos óleos

do mar… E em redor zumbe de alegria
o interminável instrumento de percussão
do sexo e da luz: tão habituada

está Itália que não treme, como
se estivesse morta em vida: gritam, calorosos,
em centenas de portas, o nome

do amigo jovens de tez morena e
radiosa, por entre a gente
da terra, junto dos campos de cardos,

em sórdidas e minúscula praias…

Irás pedir-me, tu morto austero,
para renunciar a esta desesperada
paixão de estar no mundo?




pier paolo pasolini
le ceneri di gramsci
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005







16 agosto 2018

pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci




III

Um trapo vermelho, como o que
cinge o pescoço dos partigiani
e, junto da urna, na terra cor de cera,

dois gerânios de um vermelho diferente.
Aí estás, banido, na tua graça austera,
não caótica, registado entre os mortos

estrangeiros: As cinzas de Gramsci… Entre esperança
e velha desconfiança, aproximo-me, chegado
por acaso a esta descarnada estufa, diante

do teu túmulo, e do teu espírito que ficou
neste mundo entre os homens livres. (Ou talvez seja
uma coisa diferente, mais extasiada

e mais humilde, ébria e adolescente
simbiose de sexo e morte …)
E nesta terra onde nunca a tua paixão

teve repouso, sinto o mal que fizeste
– aqui, no sossego dos túmulos – e ao mesmo tempo
o bem – no nosso inquieto

destino – ao escreveres as derradeiras
páginas nos dias do teu assassinato.
Aqui estão, a confirmar a semente

ainda não dispersa do poder antigo,
estes mortos ligados a uma posse
que enterra nos séculos a sua iniquidade

e a sua grandeza: e ao mesmo tempo, obcecada,
a vibração de bigornas, em surdina,
sufocada e pungente – vinda do bairro

humilde – a confirmar o seu fim.
E aqui estou eu… pobre, vestido
com roupas que os pobres cobiçam em montras

de esplendor grosseiro, desbotadas
pelo lixo das ruas mais perdidas,
dos bancos dos eléctricos, que atordoaram

todo este meu dia, a mim, que cada vez mais
raros tenho ócios destes, no suplício
de me manter vivo; e se por acaso

me acontece amar o mundo, é só com violento
e ingénuo amor sensual,
tal como, confuso adolescente, noutro tempo

o odiei, quando nele me feria o mal
burguês de mim burguês: e se agora o mundo
está – contigo – dividido, não será objecto

de rancor e de desprezo quase
místico a parte que nele tem o poder?
Mas sem o teu rigor, subsisto

porque não escolho. Vivo no não querer
do pós-guerra passado: amando
o mundo que odeio – desdenhoso

e perdido na sua miséria – para obscuro escândalo
da minha consciência…




pier paolo pasolini
le ceneri di gramsci
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005








27 março 2017

pier paolo pasolini / poemas mundanos



21 de Junho de 1962


Trabalho o dia todo como um monge
e à noite vagueio, como um gato
à cata de amor… Vou sugerir
à Cúria que me santifique.
Com efeito, respondo à mistificação
com a mansidão. Olho com olhos
de imagem os que vão linchar-me.
Observo o meu massacre com a coragem
serena de um sábio. Pareço
sentir ódio, mas escrevo
versos cheios de amor atento.
Estudo a perfídia como um fenómeno
fatal, como se dela não fosse objecto.
Tenho pena dos jovens fascistas,
e aos velhos, que são para mim formas
do mais horrível mal, oponho
apenas a violência da razão.
Passivo como um pássaro que, voando,
tudo vê, e, no seu voo para o céu,
leva no coração a consciência
que não perdoa.



pier paolo pasolini
de «la realtà»
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005




01 março 2017

pier paolo pasolini / só tu no mundo conheces o meu coração



Só tu no mundo conheces o meu coração
o que sempre fui, antes de qualquer amor.

Cabe-me por isso dizer-te o que é horrível reconhecer:
no seio da tua graça germina a minha angústia.

És insubstituível. Está condenada
à solidão a vida que me deste.

E se não quero estar só! Tenho uma fome infinita
de amor, do amor dos corpos sem alma.
Porque a alma está em ti, és tu...



pier paolo pasolini
poesia in forma di rosa
1964



14 novembro 2016

pier paolo pasolini / o pci aos jovens



(excerto)

O movimento estudantil
não frequenta os evangelhos cuja leitura
os seus aduladores de meia-idade lhe atribuem
para se sentirem jovens e recriarem virgindades:
só há uma coisa que os estudantes realmente conhecem:
o moralismo do pai magistrado ou funcionário,
a violência conformista do irmão mais velho
(naturalmente a enveredar pelo caminho do pai),
o ódio da mãe contra a cultura, segundo
as suas origens camponesas, se bem que longínquas.
 Isto, queridos filhos, bem o sabeis.
E aplicai-lo através de dois inderrogáveis sentimentos:
A consciência dos vossos direitos(já se sabe, a democracia
Só a vós toma em consideração) e a vontade
De poder.




pier paolo pasolini
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
trad. ernesto sampaio
assírio & alvim
2001




07 março 2016

pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci


II

Entre os dois mundos, a trégua em que não existimos.
Escolhas, dedicações… já outro som não têm
senão o som deste jardim descolorido

e nobre, onde teimoso o embuste
que mitigava a vida se mantém na morte.
Nos medalhões dos sarcófagos, as leigas

inscrições nas pedras cinzentas, curtas e
imponentes, mostram apenas o que resta
dos destinos de gente profana.

Ardem ainda de insaciáveis paixões,
sem qualquer escândalo, os ossos
dos milionários de nações

mais poderosas; rondam ainda os restos
das ironias dos príncipes, dos pederastas,
cujos corpos estão nas urnas espalhadas,

reduzidos a cinzas e não ainda castos.
Aqui o silêncio da morte prova
o silêncio civil de homens que continuam

a ser homens, de um tédio que no tédio
do Parque, discretamente, muda: e a cidade
que, indiferente, o relega para o meio

de tugúrios e igrejas, ímpia na sua piedade,
despe-se nele de todo o seu esplendor. A terra
semeada de urtigas e outras ervas dá

estes magros ciprestes, esta morrinha negra
que salpica os muros em redor
de pálidos rabiscos de buxo, que o crepúsculo

adoça e depois apaga em acres
cheiros de alga… essa erva rara
e inodora, onde roxo mergulha

o ar, com um arrepio de menta,
ou de feno podre, e calma aí começa,
na melancolia do dia, a abafada

trepidação da noite. Rude
é o clima, dulcíssima é a história
deste chão, entre estes muros, onde ressuma

outro chão; desta morrinha que
lembra outra morrinha; e ouvem-se soar
 – familiares em latitudes e

Horizontes onde as florestas inglesas coroam
Lagos perdidos no céu, por entre prados
Verdes como bilhares fosforescentes ou

Esmeraldas: «And O ye Fountains…» – piedosas
invocações




pier paolo pasolini
le ceneri di gramsci
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005



01 março 2014

pier paolo pasolini / as belas bandeiras


Os sonhos da manhã: quando
o sol já reina
com uma plenitude
que ninguém sente melhor que o vendedor ambulante
que há muitas horas anda pelas ruas
com barba de doente
sobre as rugas da pobre juventude:
quando o sol reina
em reinos de frutos e legumes já quentes, sobre cortinas
puídas, multidões
com roupas a cheirar obscuramente a miséria
— e já centenas de eléctricos foram e voltaram
pelos carris das avenidas que rodeiam a cidade,
com o seu perfume inexprimível,

os sonhos das dez da manhã,
para quem dormita, sozinho,
como um peregrino no seu catre,
um cadáver sem nome,
— surgem em luminosas letras gregas,
e, na sacralidade simples de duas ou três sílabas,
cheias, justamente, da brancura triunfante do sol —
são presságio de uma realidade
profundamente amadurecida e agora já madura, como o sol,
para ser saboreada, ou meter medo.

O que me diz o sonho da manhã?
«o mar, com ondas lentas, grandiosas, de grãos azuis,
assanha-se, agitando-se com fúria uterina,
irredutível
e como que feliz — porque também é felicidade
confirmar o mais atroz acto do destino —
rói a tua ilha, agora reduzida
a poucos metros de terra. ..»

Socorro, a solidão aproxima-se!

Não importa saber que a desejei, como um rei.

No sono, em mim, um menino mudo assusta-se,
pede piedade, apressa-se a correr para os abrigos,
com uma agitação
que «a virtude faz esquecer», pobre criatura.
Aterra-o a ideia
de estar só
como um cadáver nas profundezas da terra.

Adeus, dignidade, no sonho, embora matutino!
Quem tem de chorar chora,
quem tem de se agarrar às abas da casaca de alguém,
agarra-se, e vai puxando, puxando,
para que os rostos cor de lama se voltem,
e o olhem nos olhos assustados
e fiquem a par da sua tragédia,
e vejam bem o que há de medonho no seu estado!

Sobre tudo isso, a brancura do sol,
como um fantasma que a história
faz pesar nas pálpebras
com o peso dos mármores barrocos ou românicos...

Fui eu que quis a minha solidão.
Por um processo monstruoso
que talvez só um sonho sonhado no seio
de outro sonho poderia revelar...

Entretanto, estou só.
Perdido no passado.
(Porque o homem tem na vida uma só época.)

De repente, os meus amigos poetas,
que partilham comigo a feia brancura
destes Anos Sessenta,
homens e mulheres, pouco mais velhos
ou mais jovens — estão ali, ao sol.

Não soube ter a graça necessária
para os manter por perto — à sombra de uma vida
cujo curso se mantém por demais ligado
à inércia radical da minha a1ma.

Depois, a velhice fez
da minha mãe e de mim
duas máscaras
que, porém, nada perderam
da ternura matinal
— e a antiga cerimónia
repete-se
com uma autenticidade
que só um sonho sonhado no seio de outro sonho
me permitirá talvez chamar pelo seu nome.

O mundo inteiro é o meu corpo insepulto.
Atol que se esboroa
sob as pancadas repetidas dos grãos azuis do mar.

Que hei—de fazer senão voltar a ser digno, ao acordar?
Talvez tenha chegado
a hora do exílio: a hora em que um antigo daria realidade
à realidade,
e a solidão amadurecida à sua volta
teria a forma da solidão.

Mas eu — como no meu sonho —
continuo a embalar-me em ilusões, dolorosas,
de verme paralisado por forças que não entende:
«não! não! é só um sonho!
a realidade
está lá fora, ao sol triunfante,
nas avenidas e nos cafés vazios,
na afonia suprema das dez horas da manhã,
nu m dia como os outros, com a sua cruz!»

O meu amigo com queixo de papa, o meu
amigo de olhos de avelã. ..
os meus queridos amigos do Norte
escolhidos por afinidades electivas doces como a vida ,
─ estão ali, ao sol.

A Elsa, com a sua loura dor,
— corcel ferido, caído,
sangrando — também lá está.

E a minha mãe está junto de mim...
mas para além de qualquer limite temporal:
somos dois sobreviventes num só.
Os seus suspiros, aqui, na cozinha,
o seu desassossego a cada sombra de notícia degradante,
cada suspeita de reinvestida
do ódio dessa horda de goliardos que riem
por baixo deste quarto onde agonizo
— são apenas o que na minha solidão é natural.

Como uma rainha atirada para a fogueira com o seu rei,
ou sepultada com ele
um túmulo que se vai como um batel
rumo aos milénios — a fé dos Anos Cinquenta
está aqui, comigo, já levemente para lá dos limites do tempo,
deixar-se também esboroar
pela paciência raivosa dos grãos azuis do mar.

E...
os meus amores de sensualidade pura,
repetidos nos vales sagrados da luxúria,
sádica, masoquista, as calças
com o inchaço morno
que marca o destino de um homem
─  são actos que cumpro a sós
no meio de um mar incrivelmente revolto.

Lentamente, os milhares de gestos sagrados,
a mão sobre o inchaço morno,
os beijos, sempre em bocas diferentes,
cada vez mais virgens,
cada vez mais próximas do encanto da espécie,
da norma que faz dos filhos ternos pais,
lentamente
foram-se transformando em monumentos de pedra
que aos milhares povoam a minha solidão.

Esperam
que uma nova vaga de racionalidade,
ou um sonho sonhado no fundo de outro sonho, fale deles.
Assim acordo,
mais uma vez:
e visto-me, sento-me à mesa de trabalho.
A luz do sol é já mais madura,
os vendedores ambulantes estão mais longe,
é mais acre, nos mercados do mundo, a tepidez das verduras,
ao longo das avenidas de inexprimível perfume,
na orla dos mares, nos sopés dos vulcões.
O mundo todo trabalha, na sua época futura.

Ah, belas bandeiras dos Anos Quarenta!
Pretexto para o bobo chorar.





pier paolo pasolini
una disperata vitalitá
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005