Peter nadava por entre as palavras, arrastando o corpo
com os músculos da boca. Nasceste
numa bicicleta a caminho de uma cimenteira.
À tua mesa o pão ia de mão em mão, resmungando.
Os olhos deles pareciam codornizes dispersas
debaixo da atalaia. As vozes eram o arfar reverso
dos fios, quando os eléctricos tocavam o passeio. Misha
escutava intensamente enquanto o assunto mudava para o-de-
-coração-despedaçado,
uma marca verde no papel diante dele, como Bach.
Acendeste o fogão de louça amarela com carvão
ordinário, grácil como uma frase. Pontus mentiu sobre Belman,
alterou os factos da biografia, para se
distanciar, como o sossego do pátio por detrás
do instituto. Por detrás de certas palavras os homens moveram-se
como ficheiros por detrás de divisórias, já não
pensando em si como almas dentro de corpos, mas
como fundas gavetas de metal sobre calhas. Peter
voltou a Rilke, as oitavas de uma única frase,
a mão com a batuta tecedeira, rolando sobre si própria
no ar, que parecia brilhar de calor cansado.
O poema acabou, segundo Pontus, entre
duas cidades, com alguém que perde a capacidade
de agir, entre uma fieira de prédios, de altos arcos
abatidos, neve no ar, mas sem nevar.
martin earl
poesia do mundo
tradução de maria irene ramalho
edições afrontamento
1995