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05 julho 2023

luís quintais / ética

 



 
Vou falhando as pequenas coisas
que me são solicitadas.
Sentindo que as ciladas
se acumulam cada vez que falo.
Preferi hoje o silêncio.
A ausência de equívocos
não é partilhável.
No inegociável deste dia,
destituo-me de palavras.
Deixa-nos demasiados sós,
visitados pelo pensamento.
 
 
 
luís quintais
lamento
livros cotovia
1999



11 junho 2022

luís quintais / fiama

 
 
Definiríamos do mesmo modo a estranha poesia, o animal magnífico que sei habitar um dos seus bestiários. Semelhanças – um certo ar de família – eclodiriam no recíproco amplexo definicional. Como num desses exercícios em que alguém procura o entendimento que uma assembleia tem do que é uma ave. Que mapa se desenha quando alguém diz a palavra “ave”? e cúmplices – de uma amizade intransigente – são aqueles que na palavra “ave” vêem o assombro. Um pavão que desdobra a sua cauda e grita na noite? Melhor seria considerar o cisne, o enorme cisne vertical a deslizar em silêncio sobre a água. Talvez fosse assim que em acordo víssemos o mundo. Haveria o lento e imenso deslizar do cisne. Haveria o tempo em suas múltiplas, insondáveis metáforas. Haveria água. E haveria o sentimento de a profunda água ser mutável.
 
 
 
luís quintais
angst
dobra
livros cotovia
2002




22 fevereiro 2016

luís quintais / quarto de hotel



A cada um a sua Balbec.
Aqui regressas. Aqui escutas
o  búzio da morte.

Entre ti e a gaze do sono
um perigo embala-te:
incerta falésia onde te precipitarás.



luís quintais
angst
falésia
livros cotovia
2002



24 junho 2013

luís quintais / lamento


                      (Em memória de Paulo Jorge Valverde
                             1961-1999))


     1.

     Ao contrário de mim, sei que sempre amaste
     as fotografias, porque sempre estiveste
     próximo, jocosamente próximo da morte.
     E ela brincava contigo através do brilho
     das imagens.
                           No preâmbulo do teu regresso,
     que fazia eu? Estava em Granada,
     por puro acaso. Por puro acaso visitara a casa de Lorca,
     e os seus olhos tinham algo de temível.
     Era uma dessas fotografias em que o poeta
     sorri para a câmara
     segurando alegre um dos seus sobrinhos.
     Senti o rumor dilacerante daqueles olhos,
     como se se tratasse do eco do teu nome
     que o futuro se encarregaria
     de me devolver intacto.
                           Rodeado de asséptica atenção, morrias devagar.
     Cuidados intensivos. Que expressão mais consonante
     com a única intimidade que conheci de ti—
     o que se expunha neste lugar, neste purgatório
     de máquinas e escalas afinadas
     para a ténue linha da vida que do teu corpo se escoava.


     2.

                           Já não estamos no tempo.
     E é aí que te encontro,
     num lugar de pesadelo, num lugar de fria,
     metálica arquitectura.
                           Pede-se a palavra,
     o único modo de recobrares os sentidos,
     a única esperança. Que te dizer à beira deste cárcere de reservas
     em que te encontras envolto?
     A palavra que te trará à minha mesa,
     onde assistiremos juntos
     ao desfilar do indeterminado,
     nós, os que sempre amámos
     as clareiras
     onde o indeterminado começa a cantar.
                           Os olhos de Lorca atravessam longos corredores de
                                                                                         [aflição
     e invadem esta sala de agonia.
     Nada posso fazer. A não ser perseguir
     ficções, as que nos têm forçosamente de salvar.
     Se assim não for, só nos resta a sujeição à perda, ao desespero.
                           Oiço o vento que se desprende
     das árvores de São Tomé, as que estão
     nas fotografias que me envias,
     ou melhor, imagino as bruxas que se metamorfoseiam
     em pássaros
     apenas para habitarem os postais que me envias.


     3.

                           Sobrevivendo-te, talvez te tenha traído.
     Terei sido eu aquele que te conduziu pela mão
     até ao lugar convulso
     onde para ler se implora luz e se obtém silêncio?
     Arredar-te-ia deste silêncio.
                           Como fazê-lo? Saberei trocar de ilha?
     Saberei merecer a ilha difícil, a ilha das fantasiosas deserções
     onde perscrutaremos por fim o mar?




     luís quintais
     lamento
       cotovia
       1999



30 julho 2011

luís quintais / paraíso

  
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Abandonar a poesia das despedidas. Eu que a escrevi sem saber do que me despedia. É o teu rosto, quando me interpela denunciando a desrazão que me habita, que me faz acreditar em inícios cujo mérito será este: erguer o frágil contorno de um nome, o porvir onde flutuam as areias do Paraíso.
 




luís quintais
angst
ilha
livros cotovia
2002
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16 setembro 2009

luís quintais / cf






Nos teus lábios a noite
descreve um arco.
É o ciclo da melancolia
que se fecha.
Talvez não regresse.
Por outros sinais
lamentaremos a beleza
que, nos teus lábios,
a noite fez cessar.








luís quintais
lamento
anos 90 e agora
uma antologia da nova poesia portuguesa
por jorge reis-sá
quasi
2001