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10 janeiro 2019

jordi doce / ensaio para uma fuga




Nesta hora duvidosa que desce
entre o azul e a cinza,
com quietação de neblina e ar
encerrado, neste jardim
de inanimadas sombras
onde a humidade sabe a terra
e desenvolvidos cansaços,
deixei os olhos.

Como aquele que em terra de ninguém,
aceita uma trégua fictícia
e procura no cansaço uma certeza,
olhei em penumbra
quanto se abriga ao olhar,
quanto sustém inadvertido
o peso de uns olhos
que duvidam ou interrogam.

Conheço as razões deles: são as minhas.
Como eu, procuram
um espaço para o desejo,
um lugar de fugas e assombros
na terra de ninguém
do ar. Como eu,
chegam ao seu destino
ao demorá-lo.


jordi doce
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000







05 julho 2017

jordi doce / jardim de inverno




No mais escuro deste jardim há alguém
com uma das mãos sobre os lábios que invoca
ou pelo menos aspira nomear este silêncio
atrás do qual passam nuvens e pó e pássaros

invisíveis ao olhar daquele que escuta,
inaudíveis como inaudível é, se escuto,
a passagem do vento entre os ramos de zimbro,
o ar que filtra o pouco ar de inverno.

Luz mínima. Sombras, silhuetas que se abraçam.
Faz como o frio. Regressa ao teu corpo.
Escuta lento o derivar do mundo.
Escuta como cresce o gelo e se interroga,

como tudo é espelho e a quietude do espelho.



jordi doce
poesia espanhola anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000