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07 janeiro 2020

joão luís barreto guimarães / a mesma chuva de sempre



Voltamos para casa tarde
(a cama: ainda
por fazer)
o lençol afeiçoado àquele
vinco da manhã e
percebo pela imagem como assentimos a pressa
como o
dia é uma partida com a meia cinzenta rota
no dedo grande do pé. Eu e
o cadeirão de madeira gastamos o
mesmo número de ombros
(hoje usou o dia inteiro a
minha camisa aos quadrados).
O fim de tarde repousa em vasilhas
junto à entrada no
canto da sala onde fomos deixando apinhoar o
monte de jornais antigos com recortes por fazer
(na nódoa que
assentimos: passasse a ser parte integrante do
padrão do sofá)
no cabelo que imolaste ao
meu lado do lençol testemunhando que ontem
ontem sim
ontem sim. A
felicidade entra em casa em sacos de hipermercado –
está de volta o estranhamento de
fugaz tranquilidade por
sabermos que o ruído que insiste sobre o telhado
não
é o céu a cair
(não são anjos a chorar)
são apenas os acordes da
mesma
chuva de sempre.



joão luís barreto guimarães
rés-do-chão (2003)
o tempo avança por sílabas
poemas escolhidos
quetzal
2019





04 novembro 2019

joão luís barreto guimarães / a solidão dos homens cansados



A
cada dia que passa me sinto mais fatigado. Um
homem procura ternura
no seu regresso a casa (um
homem não vê o instante em que despe
o ultraje) quando
sai de pés descalços pelo soalho da tarde em
busca de um
copo de olvido. Um homem conhece a casa
pelo gato à janela –
duas pupilas acesas sentam-se
à sua mesa
sentam-se à mesa da alma. E a casa recebe o homem
com uma noite sempre nova
(um homem entrega tudo a quem o
salve do exílio)
quem lhe aplaque a solidão que existe nos
homens cansados.




joão luís barreto guimarães
nómada  (2018)
o tempo avança por sílabas
poemas escolhidos
quetzal
2019






04 setembro 2019

joão luís barreto guimarães / um quarto de hotel em madrid




Não se chega a pertencer nunca a
quarto de hotel. Não se lhe ganha afecto (não
é nosso por inteiro) se é
certo que amanhã outro dono estará
emoldurado
ao espelho. Não se chega a confiar nele
(não se lhe lega segredos) sequer a
palavra impudica expurgada
da pele
pela toalha de banho. Não chega a
ser nossa a cama (não se molda
a nosso jeito) melhor que
nem te despeças dessa alcova pela manhã
quando sabes como é lesta a
entregar-se ao próximo viandante
por dinheiro.




joão luís barreto guimarães
você está aqui (2013)
o tempo avança por sílabas
poemas escolhidos
quetzal
2019






20 fevereiro 2019

joão luís barreto guimarães / decepção à regra




Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?



joão luís barreto guimarães
luz última (2006)
o tempo avança por sílabas
poemas escolhidos
quetzal
2019