Aqui no planeta encontrado todos sabem tudo sobre
nós
e as raparigas tremendo de cio e de outras coisas
mais
pedem-me poesia e bravas rosas bravas bravíssimas
Pouco se fala de electrões e de bombas
─ não vale a pena falar de coisas que incomodam as
pessoas
Aqui as raparigas distribuem sorrisos pelas ruas
e há uma ternura especial nos seus olhos quando
falam no amor
Dói o corpo e o sexo por não ter trazido coisas da
Terra
Vim nu sem abraços navalhas ou mordeduras de pulga
Apenas trago dois versos do meu amigo Jorge
─ poeta anónimo que morreu sem ninguém dar por isso
Mas os versos do Jorge cabem dentro de um bolso
e a poesia não pode caber dentro de nada
Aqui no planeta todos sabem tudo sobre nós
mas há sempre quem pergunte que forma geométrica
tem
[a fome terrestre
a fome espanhola portuguesa ultramarina
querem saber se Lisboa ainda é uma cidade de dez
mil
[coitadinhos
e se a mesa de pé-de-galo serve para abrir caminho
na literatura
Há pouco uma criança castanha chegou-se a mim e
disse:
─ Fernando como foi aquilo em Nagasáqui?
E vem gente de muitas bandas oferecer-me cogumelos
e calor de seios e tranças vermelhas
bacteriologicamente puras
[e vermelhas
Aqui todos os cogumelos são objectos turísticos
pois nunca mataram ninguém
Agora mesmo acabo de ser beijado por uma moça
Aqui qualquer pessoa pode beijar outra
mesmo sem a conhecer
É preso quem não tiver estômago para entrar neste
ritual
há uma multidão de impotentes pelas ruas
beijando as virgens e as mulheres parideiras
Já me perguntaram que satisfação moral existe
em fazer filhos no Sena
fernando grade
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o surrealismo na poesia portuguesa
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2002