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13 fevereiro 2018

enrique lihn / mais velho




     O filho único seria o mais velho de seus irmãos
e em sua orfandade algo possui
do que se entende pela palavra velho. Como se também tivessem
                morrido
seus impossíveis irmão mais novos.
Muito mais rigoroso que o luto repartido
é o seu; a morte cortou-o à sua medida,
coseu-o, lenta, com extrema finura,
enquanto o pai se ia vazando no filho,
envelhecia-o à força de o criar à sua imagem
– menino outra vez o homem, homem outra vez o menino –
em noites tão escuras como o luto que levam.

     E o filho tem alguma coisa de um irmão mais velho
como se o rodeássemos, nonatos, enquanto ele nasce pela segunda
                vez
para uma vida mais grave que a nossa.
Alguém se olha nele com os olhos fechados,
gravita em seu silêncio
sobre nossas palavras sem objectivo.




enrique lihn
trad. josé bento
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001








26 agosto 2013

enrique lihn / retrato



Poeta dos pés à cabeça,
homem de poucas unhas, convulsivo,
neurótico,
órfão de águias, pai do seu próprio
crescimento,
obscuro, manchado por um anjo morto,
dono do seu desterrado domínio,
flagelo de si mesmo,
viúvo de todas as criaturas,
muitas vezes com cabeça de gigante,
com a alma acanhada outras vezes,
visível desaparecendo,
furioso na sua alegria, alegre na sua tristeza,
aborto do seu orgasmo imensamente casto,
cão de jardineiro,
trabalhador a prazo, profeta de pequena duração,
sobrinho louco, ovelha negra,
convidado especial, suspeito,
saudável às dez da manhã,
morto por uma enxaqueca sem trelho nem trambelho,
distinto bailarino do passo lento,
amante das flores, assassino de pássaros,
abstracto por instinto,
concreto se oculto debaixo de um cântaro,
secreto tornado à força transparente,
obscuro de desígnios convergentes.

  

enrique lihn
tradução rui manuel amaral