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21 setembro 2013

antoni clapés / não fales do visível e do invisível



Não fales do visível e do invisível,
da luz que em cada dia recria o mundo
do ouro das papoilas
do sangue dos trigais.

Mostra o direito e o avesso
com uma única palavra:
a opacidade da tua fala.

o poema detém
esta escrita
            não escrita



antoni  clapés
poemas
tradução de egito gonçalves



23 maio 2013

antoni clapés / um dia disseste: parecia a presença de uma ausência




Um dia disseste: parecia a presença de uma ausência
(ou talvez parecesse a própria ausência da ausência).
Nada faltava sob aquele céu figurado.

Também disseste: só a ficção é real,
só aquilo que invento existe
- o resto não é sequer literatura -,

Outro dia congregaste palavras. Palavras
que tinham caído do silêncio
como cinza espalhada por um voo de aves.
Testamento ou herança, aquele livro começou
a inscrever-se nas estâncias brancas
da memória, enquanto um bisturi de luz
fendia as imagens uma a uma: no teu coração
começou a habitar, talvez ainda mais
e para sempre, um tigre com olhos de fogo.


antoni  clapés
poemas                                      
tradução de egito gonçalves



30 dezembro 2012

antoni clapés / sozinho frente ao mar




Sozinho frente ao mar. Não numa praia baixa, não, mas sim numa
abrupta e altiva escarpa. Não chegava até mim qualquer ruído: o
vento só me trazia o rumor do vento. Pelo meio-dia, comecei a
caminhar ao longo de um atalho paralelo â costa. Após um certo
tempo, descobri uma espécie de curral irregular, escondido no meio
das silvas. No entanto, nele não havia gado, nem sinais de alguma
vez ter havido. No centro daquele espaço fechado erguia-se um cubo
de pedra negra, com cinco palmos de lado. Ao aproximar-me, ouvi
saírem da minha boca sons que se articulavam em frases de uma
língua estranha; eu ignorava o seu significado, mas pressentia que
recitava textos de uma liturgia pretérita. Se me calava, reconhecia no
silêncio a minha voz, e vice-versa. Correndo como um possesso refiz
o caminho, para trás, para regressar ao lugar onde o meu itinerário se
tinha iniciado, com a pressa de descobrir o segredo daquela fala. Para
lá da névoa que começava a velar o horizonte distinguia-se,
tenuemente, a fina linha do esquecimento.




antoni  clapés
poemas                                      
tradução de egito gonçalves 



15 maio 2012

antoni clapés / era a luz, era a forma de uma luz





Era a luz, era a forma de uma luz
Interior, um rumor como um véu
que cobria o silêncio e as palavras.
Era um (espaço) deserto
dilacerado em infinitos sinais fragmentados.
Era o tempo que volvia, fulgor do relâmpago
no vazio, no próprio relâmpago.
Era o poema, era o poeta do poeta.

Era a poesia habitada




antoni  clapés
poemas                                      
tradução de egito gonçalves