Estou a
lavar a louça. Arranco um último grito aos pratos afogando-os na espuma. As facas
serrilhadas que vou buscar às profundezas da tina todas sujas de queijo ou de
manteiga, hei-de esfregá-las até não restarem os mais ínfimos vestígios, para
que subsista apenas o futuro da mesa posta, onde elas e os garfos estarão, como
uma mecânica de luto, de cada um dos lados do disco gelado onde assenta o
miserável coração do mundo. São elas o presente do metal – bem como
eventualmente o seu futuro – e a sua dinâmica no estreito espaço onde serão
utilizadas determinará a abstracção da refeição.
alain morin
trad. luís miguel nava
hífen 5 março
cadernos semestrais de poesia
tradução
1990