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01 fevereiro 2021

howard altmann / depois de escurecer

 
 
Sou o rapaz que regressa
à mesma prostituta
no mesmo país estrangeiro;
sou esse homem.
 
Sou o rapaz que foge
da mesma verdade
com a mesma máscara;
sou esse homem.
 
Sou o rapaz que pede
o mesmo amor
à mesma mulher;
sou esse homem.
 
Sou o rapaz que esvazia
a mesma massa de água
com a sua mesma massa de reflexões;
sou esse homem.
 
Sou o rapaz que entra
nos mesmos quartos com as mesmas janelas.
E o que dorme na mesma cama à mesma luz;
sou esse homem, sou esse homem.
 
Sou o rapaz que deixa atrás de si
o mesmo eco
com diferentes vozes;
sou esse rapaz, sou esse rapaz.
 
 
 
howard altmann
enquanto uma fina neve cai
trad. eugénia de vasconcellos
guerra & paz
2019

 



17 setembro 2020

howard altmann / palavras



Temos saudade do que temos saudade.
Na idade adulta, saudade da infância.
Em Janeiro, saudade de Julho.
Na cidade, saudade do campo.
No deserto, pedimos nuvens.

Temos saudade do que temos saudade.
Diante de uma paisagem, saudade de outra.
Diante de uma memória, é outra quem fala.
Diante do desejo, outro suspira.
Diante da noite, outras noites se acendem.

Temos saudade do que temos saudade.
Quando passa, fica.
Quando sacia, cresce a fome.
Quando se enche, vaza.
Quando amadurece, não tem idade.

Temos saudade do que temos saudade.
À saudade que temos, anos.
A como a temos, segundos.
Para onde, sem tempo.
Porquê, a eternidade.

Temos saudade do que temos saudade.
E em toda a saudade, uma vida.
E em toda a vida, um desgosto.
E em todo o desgosto, uma história.
E em toda a história, palavras.


howard altmann
enquanto uma fina neve cai
trad. eugénia de vasconcellos
guerra & paz
2019






16 maio 2019

howard altmann / a manter a postura



A história senta-se numa cadeira
de um quarto sem janelas.
De manhã procura uma porta,
à tarde dorme a sesta.
Ao bater da meia-noite,
espreguiça-se e boceja.
Está no tempo certo e fora do tempo,
sabe o seu lugar e não sabe o seu lugar.
Às vezes considera a cadeira um degrau,
às vezes acredita que a cadeira não está lá.
Vista dos cantos nunca parece a mesma.
Quando está lua cheia mantém a inteireza.
A história senta-se numa cadeira
num quarto por cima das nossas casas.



howard altmann
enquanto uma fina neve cai
trad. eugénia de vasconcellos
guerra & paz
2019





14 fevereiro 2019

howard altmann / a barrar com chocolate




Pega na tua tristeza e põe-na
naquele frasco de doce vazio que guardas.
Pega no teu esconderijo e adoça-o.
Compra o jornal antes de te sentares.
Lê os obituários depois de leres a banda desenhada.
Come uma sopa que a tua mãe costumasse fazer.
Toma uma bebida que o teu pai costumasse pedir.
Imagina o mundo habitado por órfãos.
Depois procura o homem que se senta sozinho
e pergunta-lhe se podes pendurar
o teu casaco ao lado do dele.



howard altmann
enquanto uma fina neve cai
trad. eugénia de vasconcellos
guerra & paz
2019