a sedução de hildebrando
naquele tempo, media a infância pelo porte regular das
cumeadas, pela passada ostensiva do avô por entre o
tojo. falava-se baixo, muito devagar, o necessário.
então, o avô estacava. como se perscrutasse as razões
íntimas de deus ante o fulgor animal da paisagem, como
se decifrasse. passava-se dias nessa lentidão de
batedor, pelos sopés. mas nas noites quentes de
setembro, assentava uma manta vermelha sob a latada
breve e discreta para olharmos de frente o universo. o
avô era generoso, dava a ler o céu e a terra. enquanto
os carros desciam por el carmen como luzeiros
infligindo a noite. naquele tempo, subia-se pela
serra, às contracurvas, para ver o mar. eu nem sequer
sabia que todo aquele que reparte dá, quando rente ao
estio se galgava a umbria. então, o avô pagava por uma
aiola para abordarmos a pedra grande. a avó esperava
sobre uma manta vermelha, na praia, e passaram anos. o
avô andava já cansado. eu deixara de fazer contas
pelas cumeadas e as máquinas impuseram, a um e outro
flancos do dorso macio, uma lenta, obstinada voragem.
porque as máquinas são poços de força, são coisas
estranhas aos utensílios de deus. mas onde quer que
esteja, o avô ainda sabe, como ninguém, ler o céu, a
terra e o mar, a circunspecção rudimentar do universo.
e deixar tudo como estava.
j.p. francisco
09 outubro 2004
quatro estações #crónicas de outono
expressão
não preciso de me exprimir. nada tenho a perguntar ou a afirmar. se fosse possível, parava. no veludo do silêncio, na aresta do tempo, parava. esperava na curva do desejo o crescer do deserto. e morria eternamente. como se uma estação cósmica me atravessasse. um outono cósmico. gostava que fosse um outono infinito. que mundos nascessem e se extinguissem no tempo de me cair uma folha. gostava de me queimar nessa luz muda e impossível. como um faraó. ou como a areia que o vento amarrou às pedras da história.
já me esqueci de todas as casas. estou na sombra que precede essa hipótese de loucura. só sei que há nós que se desatam e que à minha volta se soltam as linhas onde se escondem as paisagens.
já me esqueci de todas as casas. estou na sombra que precede essa hipótese de loucura. só sei que há nós que se desatam e que à minha volta se soltam as linhas onde se escondem as paisagens.
gil t. sousa
quatro estações #crónicas de outono
outono
este ano
o outono e o medo
chegam mais cedo
vejo-o nos sinais
do meu cabelo
diogo m. silva
este ano
o outono e o medo
chegam mais cedo
vejo-o nos sinais
do meu cabelo
diogo m. silva
quatro estações #crónicas de outono
“quatro estações” é uma rubrica que vai atravessar os solstícios. Textos curtos e poéticos que subirão as estações do ano, como um comboio lento que nos leva a voz.
Podes participar enviando-nos o teu texto para o e-mail indicado.
Podes participar enviando-nos o teu texto para o e-mail indicado.
08 outubro 2004
polaróide mínima
“polaróide mínima” é a primeira rubrica deste blogue. Com a regularidade possível, editará pequenas notas biobibliográficas de poetas.
Todas as contribuições são bem-vindas. Basta escrever para o e-mail ali no canto superior direito.
Todas as contribuições são bem-vindas. Basta escrever para o e-mail ali no canto superior direito.
Subscrever:
Mensagens (Atom)