Uma mulher encosta-se a um muro, encosta-se à
memória. Veste duma maneira simples, uma blusa, uma saia cobrindo os joelhos,
talvez uns tamancos. Tem ainda, amarrado à cabeça, um lenço negro, negros aliás
e brancos todos os tons em que se veste, negros os tamancos, um casaco de lã
sobre a blusa, negras ainda algumas das riscas da saia, brancas as outras, como
a blusa. Encosta-se ao muro aonde cola as costas, os ombros e depois uma das
faces, assim é mais fácil ver-lhe o rosto. As mãos encostá-las-ia também se não
segurasse um lenço branco. Aperta-o entre os dedos, fá-lo passar entre eles,
uma pequena serpente. Ou então amarrota-o, faz das palmas das mãos uma concha
onde o esconde, o lenço assim desaparece totalmente, apenas as mãos se vêem
projectadas para a frente, dir-se-ia que rezam. Depois, sempre ocultando o
lenço, levam-no ao rosto novamente de perfil, tudo a preto e branco ainda, ou é
o rosto que desce às mãos, mergulha no lenço, talvez este e a língua se procurem,
uma língua pelo lenço adiante, uma língua é provável que vermelha, não, é tudo
ainda muito a preto e branco, é tudo ainda demasiado a preto e branco para
permitir um pormenor vermelho.
luís miguel nava
películas
poesia completa (1979-1994)
publicações dom quixote
2002
1 comentário:
Com que então, andamos a vender anúncios aos roncos, num blogue de poesia?
Não lembrava ao diabo tal despautério de mau gosto...
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