No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
Apresso e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
O moribundo passo.
Não sei de quem recordo meu passado
Que outrem fui quando o fui, nem me conheço
Como sentindo com minha alma aquela
Alma que a sentir lembro.
De dia a outro nos desamparamos.
Nada de verdadeiro a nós nos une -
Somos quem somos, e quem fomos foi
Coisa vista por dentro.
O que sentimos, não o que é sentido,
É o que temos. Claro, o Inverno triste
Como à sorte o acolhamos.
Haja Inverno na terra, não na mente.
E amor a amor ou livro a livro, amemos
Nossa caveira breve.
Vive sem horas. Quanto mede pesa,
E quanto pensas mede.
Num fluido incerto nexo, como o rio
Cujas ondas são ele,
Assim teus dias vê, e se te vires
Passar, como a outrem, cala.
Uns com os olhos postos no passado
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Porque tão longe ir pôr o que está perto -
A segurança nossa? Este é o dia
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe o dia, porque és ele.
Aguardo, equânime, o que não conheço -
Meu futuro e o de tudo.
No fim de tudo será silêncio, salvo
Onde o mar banhar nada.
Saudoso já deste Verão que vejo,
Lágrimas para as flores dele emprego
Na lembrança invertida
De quando hei-de perdê-las.
Transpostos os portais irreparáveis
De cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei-de errar sem flores,
No abismo rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda,
Marcenda, guardo-a; murche-se comigo
Antes que com a curva
Diurna da ampla terra.
ricardo reis
odes