09 dezembro 2025

joão miguel fernandes jorge / eugénio de andrade ao descer belmonte

  
 
Os olhos, verde claro, envolviam a água e a vila.
Erguiam a linha da manhã,
levantam a âncora
na madrugada marítima e as velas
não deixam sombra na baía da serra – os olhos
a um tempo insolentes, divertidos e duros
arco num verde de carícia, ao longo
do mastro; no ar translúcido de quem desce de
Belmonte para o plaino de Caria. Os olhos
sobrepunham a um rumor de fundo – os remadores
ergueram a direitura do tronco, viram o verde
incessante, murmúrio contido de surpresa, grito
de saudação – quebrar da vaga.
À partida da serra, à entrada da barra
prendia-se um coração exposto ao vento
movia rostos vazios
 
por detrás ficara a cidade. Nas ruas e praças
o rapazio fazia-se à vela, navegava por entre o
cume dos montes: um grupo de homens atravessa na
Cordoaria, o que restou do jardim – onde ficou
Belmonte? – com uma expressão de
destroço fala grosseiramente. Era
por demais manhã, os remadores estendiam o braço e
retesavam o remo
apontaram o barco na direcção do mar.
 
Nas casas, as mulheres passam o vinho pela vela,
                                       pano de serapilheira.
 
 
 
joão miguel fernandes jorge
invisíveis correntes
relógio d´água
2004




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