I
flutuo
no ar
esguelho sobre um dos lados 
oblíqua em baixo uma superfície 
lateral uma paisagem aberta
interior exterior 
fronteira a separá-las 
no centro palavras desligadas 
juntas às vezes
a escorregar no sentido a frase
deslisa num vento 
um remoinho no nó sintáctico 
(voltar com barras a ligá-las!) 
corpos cá dentro chove 
alheios olham a corrente
troncos de árvore lamacenta 
desço até terra firme 
sem molde orgânica ou padrão 
ou motus animi continuus 
as pás rodam
ou esquema nublado de uma rima 
um metro regular
a frase solta aponta para fora 
move-se o verbo
sem avistar as outras partes
toco o chão pulveriza-se o sentido 
poeira e chuva invadem o meu casaco 
saltam as cabras pobre poeta 
destruo os telhados com o vento 
fugiram há muito alguns traços
escondidos para lá da aldeia 
levanto procuro leste 
sem sentido ainda 
a proposição no seu conjunto 
ocasional ao fundo um arco-íris
m. s. lourenço
arte combinatória
1971