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03 dezembro 2024

luís veiga leitão / filho do povo

 
 
 
Filho do povo criado nas alturas
com pinheirais em torno e um vento cru
rachando a solidão das fragas duras
que nos tratam por tu
 
 
Daí
esta sede saibrosa que nos cresta
(nem sei ó meu irmão como tu medras)
 
 
Daí
esta fome surda de giesta
comendo a terra das próprias pedras
 
 
Filha dos montes que não têm nome
e pastora de um corpo na verdura
que o rebanho do tempo breve come
 
 
– Um relâmpago a tua formosura
 
 
 
luís veiga leitão
ciclo de pedras
portugália
1964





27 abril 2024

luís veiga leitão / latitude

 
 
 
Que nos cubram de ameaças e de espanto
que nos cortem as asas    mas o canto
voa muito mais largo do que as penas
 
 
 
luís veiga leitão
ciclo de pedras
portugália
1964





24 julho 2023

luís veiga leitão / prisioneiro

 



 

O prisioneiro é como navio
preso ao cais. Amarras de desterro
com ferrugem de noites a fio
e redes de ferro.
Do casco que um vento negro impele
caiu-lhe a pintura, o próprio nome.
Mas o mar está dentro dele
e não há força que o dome.
 
 
 
luís veiga leitão
ciclo de pedras
portugália
1964
 




01 maio 2022

luís veiga leitão / resistência

 
 
Não. Digo à explosão de ameaça
e à rapada paisagem do desterro.
E não. Digo à minha carcaça
encalhada em bancos de ferro
e ao cordame dos nervos, fustigado,
a ranger no silêncio a sós:
Por cada nervo quebrado
que se inventem mais nós.
 
 
 
luís veiga leitão
ciclo de pedras
portugália
1964





01 maio 2021

luís veiga leitão / nós que viemos dos cárceres da noite

 
 
Nós que viemos dos cárceres da noite
Aljube, Peniche, Caxias
Noite de pedra, roupa de pedra vestidos
 
Nós que fomos as estátuas da tortura
golpeados a fogo, mortos a frio
Nós que roemos meio século de exílio
Nós, forçados mineiros dos poços do silêncio
Silêncio sulfúreo, asfixia da voz
 
Tivemos, à flor rubra desse dia,
a primeira respiração
a primeira água da alegria
 
 
 
luís veiga leitão
a bicicleta e outros poemas
associação dos jornalistas e
homens de letras do porto
2012





24 abril 2020

luís veiga leitão / o silêncio



É mais de terra feito
que doutra matéria e matizes:
Pesa na fronte e no peito
sobre o tumulto das raízes…

E as raízes deitam fora
dedos, mãos, braços,
de plantas plantadas na hora
dos passos longos, dos longos passos…

E das plantas
há tantas
que mal ou bem
ficam no gesto de quem plantou,
à espera do sol que não vem
ou tardiamente chegou.



luís veiga leitão
a bicicleta e outros poemas
associação dos jornalistas e
homens de letras do porto
2012






27 junho 2019

luís veiga leitão / os grandes amigos



São como as árvores
de grande porte,
quando elas partem
as raízes ficam
aquém da morte

1987



luís veiga leitão
a bicicleta e outros poemas
associação dos jornalistas e
homens de letras do porto
2012








25 novembro 2017

luís veiga leitão / ao visitante



Entrego-te as chaves da cidade
A chave da torre que do alto nos abre
O voo das aves e os pórticos do mar
A chave das muralhas do burgo antigo
Que nos abre aos mistérios do rio
A chave viva dos arcos da ribeira
Na livre explosão das falas do povo
E a chave de cais, senhora zelando
Os tesouros do sol no ouro do vinho




luís veiga leitão
a bicicleta e outros poemas
associação dos jornalistas e
homens de letras do porto
2012





02 outubro 2017

luís veiga leitão / homem



É no silêncio do caminho aberto:

Quanto maior a alma maior o deserto
maior a sede e a miragem
do mundo à nossa imagem.



luís veiga leitão
a bicicleta e outros poemas
associação dos jornalistas e
homens de letras do porto
2012




16 setembro 2017

luís veiga leitão / carta de chamada



Latitude Norte 1 de Janeiro


Meu irmão: Porque não vieste?
Ando no mar  Sou marinheiro
Mal sabes o bem que tu perdeste


Vagamos de porto em porto
como as aves de ramo em ramo
Por isso quando te chamo
ao romper do novo ano
sou mais livre e mais humano

E tu irmão absorto?


tu irmão absorto
de fronte caída
nos mapas onde o mar é morto
e morta a vida?


Deixa os teus horizontes pequenos
e vem meu irmão e meu amigo
vem ver ao menos
o mar que trago comigo



luís veiga leitão
ciclo de pedras
portugália
1964



27 maio 2010

luís veiga leitão / corredor









Cem metros à sombra – temperatura
de tantos corpos e almas em rodagem.
Neste muro cercado, a maior viagem
sob um céu de pedra escura.

Sombras em fila, espectros talvez,
desplantam ecos da raiz do chão.
Lembram comboios que vêm e vão
sob túneis de pez.

E vêm e vão com pés humanos
ressoando movimentos tardos,
levando fardos, trazendo fardos
das horas sem dias e meses sem anos.

E vêm e vão, sempre, sempre a rodar
na linha de railes espectrais,
sem descarregadores na gare,
sem guindastes nos cais

E vêm e vão pela via larga
das redes do sonho e da lembrança,
levando a carga, trazendo a carga
de toneladas de esperança.








luís veiga leitão
surrealismo abjeccionismo
antologia organizada por mário cesariny
edições salamandra
1992