a Maurice Pilorge, assassino
de vinte anos
O vento que rola um coração no pátio dos recreios,
um anjo que soluça preso numa árvore, o pilar de céu que o mármore retorce,
abrem portas de emergência à minha noite.
Um pobre pássaro que agoniza e o travo da cinza, a
memória de um olho adormecido na parede e este doloroso punho que ameaça o
firmamento, descem-me o teu rosto à palma da mão.
Mais duro e leve que uma máscara, o teu rosto tem
na minha mão mais peso do que a jóia em dedos de um receptador quando a mete ao
bolso; está afogado em pranto. É sombrio e feroz, coberto por um elmo de
folhagem verde.
Tens o rosto severo: és um pastor grego. Sempre a
fremir dentro das mãos que fechei. Com uma boca de morta onde os olhos são
rosas e no nariz há o bico, talvez, de um arcanjo.
O gelo cintilante de um pudor maldoso que
polvilhava o teu cabelo com um aço de astros claros, e te coroava a testa de
espinheiros do canavial, que mal sagrado sabe desfazê-lo se o teu rosto canta?
Diz-me que desgosto doido te faz explodir nos olhos
esse desespero tão forte que uma dor bravia e desvairada aparece, apesar do
gelo que choras, a enfeitar-te a boca redonda com um sorriso de luto?
Esta noite não cantes aos “Latagões da Lua”. Mais vale,
ó garoto de ouro, seres princesa pensativa de uma torre, a sonhar com o nosso
pobre amor; ou aquele grumete loiro que vigia no cesto da gávea,
Que à noite, entre marinheiros em cabelo caídos de
joelhos, desce para cantar na ponte a “Ave Maris Stella”; todos a agarrar no membro
que salta, já, em mãos de larápio.
(...)
jean genet
o condenado à morte
genet, seguido de o condenado à
morte
de jean genet
yukio mishima
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1986