“embora o
ser amado esteja ausente, perto estão suas imagens
                               e seu doce
nome ressoa em nossos ouvidos.”
                                Lucrécio
      Supõe que ainda é Agosto e
não estás longe 
desta cidade que ainda guarda
os últimos vestígios daquela altiva chama do verão 
que lentamente foi, como tudo, morrendo;      
imagina que ainda estás aqui, comigo, 
na paz desta casa que a luz torna formosa 
e busca na memória o esplendor dourado 
dos dias perfeitos que nela — porque assim 
o desejou algum deus de olhar propício — 
vivemos juntos, alheios a tudo o que não fosse 
nossa própria alegria de estar juntos.
      Recorda.
                      Olha. Olha
essas gloriosas 
manhãs: acordaste há momentos, 
e esperas em silêncio que eu abra os olhos
para me dares os bons-dias e dizeres-me — hoje também — 
que és feliz.
          E apontas-me depois 
esse raio de sol que entra pela janela 
e aqui, junto à cama, no chão, desenha 
um doce charco de ouro.
                                       
Não deixes que se apaguem 
de tua alma os risos desse tempo,
as palavras ardentes que soavam
como um cristal finíssimo e enchiam de música 
as horas do amor: o espaço inocente 
da paixão satisfeita nas radiosas noites 
que nossos corpos conquistaram.
                                        Contempla estas imagens,
a esquece-te desse lugar em que agora
para teu desgosto e meu desgosto habitas:
ruas cheias de outono, gente que desconhece
nossa história, terras que não são tuas,
e esse rio que em nada se parece
a este nosso daqui, que sob o sol corre
através dos hortos.
                               
Oxalá sempre leves 
contigo, a cada instante, minha recordação, 
e estas palavras que na noite escrevo 
pensando em ti, para que tu as leias, 
te ajudem a estar só,
                                 e te acompanhem.
eloy sánchez rosillo
as coisas como foram
trad. josé bento
assírio & alvim
2004