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25 novembro 2024

elio pecora / a lua surgiu, redonda

 
 
 
A Lua surgiu, redonda, e distraiu-nos
(na janela sobre a magnólia),
estava quase a dizer: “Não és tu o amor.
Eu só quero agarrar-te, ter-te
por uma eternidade que não meço”.
Correram os dias, a Lua surgiu de novo
(no vento leve, sobre a magnólia)
e disseste-me: “Parto amanhã.”,
com a voz de quem não quer ferir,
enquanto afunda no ventre uma faca.
 
 
elio pecora
poemas escolhidos
recinto de amor (1992)
tradução de simoneta neto
quasi
2008
 



28 dezembro 2023

elio pecora / circeo

 
 
 
Ulisses, inventor de brigas,
saiu do mar revolto
numa enseada de pedras.
Sob uma pérgula de uvas
remeteu todo o vigor
para Circe, a mais insaciável.
Dos muros do Ciclope
espreita os momentos da água
– remendada a vela,
Oleado o leme,
Volta à tarde ao navio
Imóvel atrás das rochas.
 
 
elio pecora
poemas escolhidos
motivetto (1978)
tradução de simoneta neto
quasi
2008




 

27 março 2023

elio pecora / confidência

 
 
Espera-me no espelho
como num velho conto de desconfiada loucura,
raramente me olha
porém, conheço bem o desprezo que alterna com o medo,
estamos juntos ab initio
decerto estaremos até ao extremo encerramento
quando voltarmos a partir
rumo àquele nada que a nós, como a todos, toca.
De vez em quando o esqueço
e, ao andar, torna-se leve e contente o percurso,
mas cedo o ignorado
volta a contar os passos, a tirar o fôlego;
vi-o, apetrechava-se
de esperanças algo dúbias, de prémios baratos,
quando bastava
ministrar-se as ânsias e os desejos nunca calados.
Da vez em que tentei deixar o quarto do seu triste segredo
entreabriu a porta
e mostrou-me, num ápice, apenas areia e cinza.
 
 
 
elio pecora
poemas escolhidos
interlúdio (1987)
tradução de simoneta neto
quasi
2008
 



28 dezembro 2022

elio pecora / de poemas para a mãe



 
Eu não sabia, não, quando cantavas
– talvez em Abril, no quarto azul –
que tu eras a mãe, que eu era o filho.
 
Escutavam-te as montanhas e as planícies,
as andorinhas apaziguadas nas goteiras
e eu encantado na almofada branca.
 
No teu canto abriam-se as esperas
do confuso presente, as tristezas
de todos os improváveis futuros.
 
Compreendi então que eras a companheira
de uma viagem de agruras, de tormentos,
para lá das paredes e das portas.
 
Por muitas estações esse engano
dentro de mim criei e fingi-me aquele
que na noite anda à frente.
 
Esta noite dizes com voz de pranto
– sobe no céu a Lua de Agosto –
que andaste sozinha pelas ruas escuras.
 
 
 
elio pecora
poemas escolhidos
interlúdio (1987)
tradução de simoneta neto
quasi
2008
 


 



26 dezembro 2020

elio pecora / os etruscos deixaram túmulos pintados

 
 
Os Etruscos deixaram túmulos pintados
dentro de cidades apagadas,
os Romanos ensoberbados
acabaram aterrorizados pelos Hunos,
catervas de escravos abeberaram-se
em nascentes de água verminosa,
mulheres esfarrapadas choraram,
choraram as rainhas de capas de seda.
 
Aquiles saiu da tenda
para vingar o amigo morto
por um herói mais incerto que feroz,
Penélope desfez a teia
para não descer e decidir-se,
Hamlet raciocinou com as sombras,
Faust escolheu o instante errado.
 
Eu, da minha parte,
sinto-me vestido de escuro
e espero o telefonema que adie
para amanhã o meu problema.
 
 
 
 
elio pecora
poemas escolhidos
motivetto (1978)
tradução de simoneta neto
quasi
2008

 




02 julho 2020

elio pecora / mais não tenho do que o desespero



Mais não tenho do que o desespero
e uma confusa vontade de me sumir:
nem uma voz que me vem chamar
no poço vazio onde estou aninhado.
É morte isto que já me encerra.
A memória está desfeita. Houve um tempo
(a quem pertenceu se nada resta?)
quando esperava pelo teu regresso
e sofria, chamava, e tu aparecias
muito te rindo desse meu sofrer.



elio pecora
poemas escolhidos
recinto de amor (1992)
tradução de simoneta neto
quasi
2008






16 abril 2020

elio pecora / a pier paolo pasolini



Ainda a vida
como se fosse um alhures
a habitar no sonho
e esta – de raivas, de esperas,
ainda assim, querida, procurada –
a porta a transpor,
uma véspera, uma paragem.

Ainda a ânsia,
como escura semente
a estrumar, a regar,
e nela o mapa
para seguir viagem.

(Uma tarde, em Sabaudia,
no teu último Verão
– da varanda a tua mãe
chama o mar que avança –
maldizes o alcatrão
dentro da areia, ao longo da ressaca,
e espantas-te com o azeite
que tira as nódoas).



elio pecora
poemas escolhidos
interlúdio (1987)
tradução de simoneta neto
quasi
2008







28 fevereiro 2019

elio pecora / atravessar a dor



Atravessar a dor
como um quarto escuro
contando os passos, os fôlegos.
Procurar no fechado
um buraco, uma fenda,
para que não seja memória
mas presença
naquela ausência de luz.

À saída saber
que é preciso voltar.
E a alegria ainda
à espera do assalto.



elio pecora
poemas escolhidos
simetrias (2007)
tradução de simoneta neto
quasi
2008








25 dezembro 2018

elio pecora / desde sempre abomino as armas,




Desde sempre abomino as armas,
não sei se por soberba ou se por medo,
e quanto aos cavaleiros
prefiro os cavalos.
Amo, sim, o amor
e continuo a procurá-lo
blasfemando e sofrendo,
como se não soubesse
que estou em servidão.



elio pecora
poemas escolhidos
recinto de amor (1992)
tradução de simoneta neto
quasi
2008







16 novembro 2018

elio pecora / o limite




Ficar aqui, nas estações que mudam,
é a norma comum: o dom extremo e a saída.
A quem galgou o limiar não é dado voltar:
talvez tão só no sonho digam palavras soltas
demasiado parecidas com estas dos nossos percursos.
E seguimos absortos, às vezes surpresos,
cada espera é um jogo,
cada dúvida o encalhar de uma deriva,
e damos números aos dias,
pés aos desejos,
confins ao vaguear
– desprovidos de mapas, desconhecendo o porto.



elio pecora
poemas escolhidos
novos poemas (inéditos)
tradução de simoneta neto
quasi
2008