1
Tosca e rude poesia,
meus versos plebeus
são corações fechados,
trágico peso de palavras
como um descer da noite
aos descampados.
Ó noite ocidental,
que outra voz nos consente
a solidão?
Cingidos de desprezo,
somos os humilhados
cristos desta paixão.
E quanto mais nos gelar a frialdade
dos teus inúteis astros,
mortos de marfim,
mais e mais, génio do povo,
tu cantarás em mim.
2
Olhos do povo que cismais chorando,
olhos turvos de outrora,
chegai-vos ao calor que irá secando
o coração – da chuva que em nós chora.
3
Quem soprou na gândara
a última chama?
Se quiseres, ó morte,
abro-te os lençóis
e dou-te a minha cama.
Vai meu coração
pelas aldeias moiras
onde pena e erra,
peregrinação
ao tojo da terra.
Caminheiro cansado
sem nenhum bordão,
onde houver um sonho
para ser sonhado
está meu coração.
4
Canta na noite, sentimento da terra,
onde morreste, flor estranha?
Há tanto que chove e nós sem lenha,
Sem paz e sem guerra.
Há tanto. E eu sei lá bem
se inda persistes,
minha incólume esperança.
Vão-me doendo os olhos já de serem tristes.
Vão-me doendo,
que mos turva de sombra o desespero.
E escrevendo à luz débil me pergunto
se é a morte ou a manhã que espero.
carlos de
oliveira
mãe pobre
trabalho
poético
livraria sá da costa editora
1998