I
     «Transforma-se o amador na
coisa amada» com seu
     feroz sorriso, os dentes,
     as mãos que relampejam no
escuro. Traz ruído
     e silêncio. Traz o barulho
das ondas frias
     e das ardentes pedras que
tem dentro de si.
     E cobre esse ruído
rudimentar com o assombrado
     silêncio da sua última vida,
     O amador transforma-se de
instante para instante,
     e sente-se o espírito
imortal do amor
     criando a carne em extremas
atmosferas, acima
     de todas as coisas mortas.
     Transforma-se o amador.
Corre pelas formas dentro. 
     E a coisa amada é uma baía
estanque.
     É o espaço de um castiçal, 
     a coluna vertebral e o
espírito 
     das mulheres sentadas. 
     Transforma-se em noite
extintora.
     Porque o amador é tudo, e a
coisa amada 
     é uma cortina
     onde o vento do amador bate
no alto da janela 
     aberta. O amador entra
     por todas as janelas
abertas. Ele bate, bate, bate. 
     O amador é um martelo que
esmaga. 
     Que transforma a coisa
amada.
     Ele entra pelos ouvidos, e
depois a mulher
     que escuta
     fica com aquele grito para
sempre na cabeça 
     a arder como o primeiro dia
do verão. Ela ouve 
     e vai-se transformando,
enquanto dorme, naquele grito 
     do amador.
     Depois acorda, e vai, e
dá-se ao amador, 
     dá-lhe o grito dele.
     E o amador e a coisa amada
são um único grito 
     anterior de amor.
     E gritam e batem. Ele
bate-lhe com o seu espírito
     de amador. E ela é batida, e
bate-lhe
     com o seu espírito de amada.
     Então o mundo transforma-se
neste ruído áspero
     do amor. Enquanto em cima
     o silêncio do amador e da
amada alimentam
     o imprevisto silêncio do
mundo
                                                       
e do amor.
herberto helder
poesia toda
assírio & alvim
1996
1 comentário:
Passando pra desejar um maravilhoso fim de semana e apreciar os teus escritos.
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