Eu, lobo das estepes, corro,
corro, 
a neve cobre o mundo, 
da bétula levanta voo o corvo, 
mas nunca aparece uma lebre, nunca aparece um cervo. 
E como eu amo os cervos! 
Se acaso encontrasse algum, 
prendia-o com garras e dentes:
é a coisa mais bela em que penso. 
Com os sensíveis seria também sensível, 
devorava-os todos de extremo a extremo, 
bebia-lhes até ao fundo o sangue púrpura e espesso, 
e solitariamente uivava pela noite dentro. 
Contentava-me com uma lebre.
É tão doce à noite o sabor da sua carne quente. 
Porventura foi-me negado tudo quanto possa, um pouco, 
alegrar a vida, um pouco apenas?
A minha companheira, há muito que a não tenho, 
o pêlo da minha cauda começa a ficar cor de cinza,
e só quando há bastante luz é que vejo. 
Agora corro e sonho com cervos,
ouço o vento soprar nas grandes noites de inverno,
e a minha alma dolorosa, entrego-a eu ao demónio.
hermann hesse
doze nós numa corda
herberto helder
assírio & alvim
1997
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