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O poeta que nasce é uma criança 
parida pela água torturada 
uma nave que surge uma nuvem que dança 
ao mesmo tempo livre e condensada. 
O poeta que nasce é a matança 
da palavra demente e enjeitada 
que o chicote do poema torna mansa 
depois de possuída e mal amada. 
Quando o poeta nasce a madrugada 
aperta os versos num abraço rouco 
até que a noite fique esvaziada. 
E enquanto das palavras pouco a pouco 
surge a forma perfeita ou agitada 
no mundo morre um deus ou nasce um louco. 
(...) 
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Versos? Paguei-os. Alegria e raiva. 
As palavras por vezes impotentes 
outras vezes escorrendo sangue e seiva 
ao morderem a vida com os dentes. 
Poesia que és uns dias minha noiva 
com seios de palavras complacentes. 
Poesia que outras vezes grita e uiva 
fêmea capaz de fecundar sementes. 
Poesia minha amiga minha irmã 
mulher da minha vida que inventei 
para fazermos filhos amanhã. 
Poesia minha força e meu castigo 
meu incesto tão puro que nem sei 
se é verdade que faço amor contigo. 
ary dos santos 
o sangue das palavras
lisboa
1979
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