23 outubro 2024

pablo neruda / esquecido no outono

 
 
Eram sete e meia
do Outono
e eu esperava
não interessa quem.
O tempo
cansado de estar ali comigo
a pouco e pouco desandou
e deixou-me ali sozinho.
Fiquei então com a areia
do dia, com a água,
sedimentos
duma semana triste, assassinada.
 
– Que foi? – perguntaram-me
as folhas de Paris. – Quem é que esperas?
 
E assim fui várias vezes humilhado
primeiro pela luz que se apagava
depois por cães, por gatos e gendarmes.
 
Fiquei só
como um cavalo só
quando no pasto não há noite nem dia,
apenas sal do Inverno.
Fiquei
tão sem ninguém, tão vazio
que choravam as folhas,
as últimas, e depois
caíam como lágrimas.
 
Nunca antes
nem depois
fiquei tão de repente só.
E foi à espera de quem,
não me recordo,
foi tolamente,
passageiramente,
mas aquilo
foi a instantânea solidão,
a mesma
que se tinha perdido no caminho
e num instante como a própria sombra
desenrolou o seu infinito estandarte.
 
Então saí daquela
esquina louca
com os passos mais rápidos que tive,
foi como se fugisse
da noite
ou duma pedra escura e roladora.
Não é isto que eu conto
mas passou-se quando estava à espera
de não sei quem um dia.
 
 
 
pablo neruda
antologia breve
tradução de fernando assis pacheco
dom quixote
1971




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