23 julho 2023

antónio franco alexandre / cartão-postal

 




 
um moço, em Olinda, amava a palavra «ter»;
«eu acho bonito, ter». Como não tinha nada,
era livre de dar às palavras;
 
nalgumas não-bocas a palavra «ser»
dá vontade de morrer, já disseram.
Só essa
 
é a força formal das palavras.
esta não é a estória de um encontro.
foi a laboriosa a tarde, no ruído
 
de passos e gritos, e o som
de exactos motores. através dos dedos escorre
a relva, como a ignorância de um sonho;
 
o teu corpo deitado tem
um sabor raro a coisas certas
vê: a terra arada cheia de
 
guerra, uma coisa eu odeio mesmo
é a guerra, falou:
escrever deus ensina mas voz
 
homem só inventou.
 
 
 
antónio franco alexandre
cartão-postal
poemas
assírio & alvim
1996
 



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