31 outubro 2022

juan luis panero / cerimónias de outono


 
Entre a pele e o osso ainda respira um tremor
– isso a que chamam alguns alma –
um obstinado estertor, inútil esforço de sobrevivência.
A vida e as suas ocultas raízes tenazes aferram-se
no húmido entardecer, de princípios de outono,
enquanto o distorcido rosto representa o seu estranho papel
e o coro, com a sua estúpida e crédula aparência,
aposta no mais além ou no mais aquém, que importa?
Apenas uma respiração, apenas uma respiração entrecortada,
entre a pele e o osso,
simboliza um final ou, simplesmente,
o nevoento sonho de outro sonho deserto.
E para quem tantas aparatosas expressões,
se todas as testemunhas, os olhos que, quase às escondidas,
se olham e se encontram, unicamente afirmam
o terror – tão real – do próprio cadáver delas?
Depois – fora do hospital inóspito –
a última luz do sol desenha o mar,
ocultando-se detrás do verde e da pedra do Monte Igueldo
e treme nas tuas mãos o pesado copo
que leva aos teus lábios o vidro funerário,
onde o álcool e o gelo desenham outra morte.
 
 
 
juan luis panero
poemas
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2003

 



 

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