23 julho 2021

wislawa szymborska / foto de multidão

 
 
Na foto da multidão
a minha cabeça é a sétima da ponta,
ou talvez a quarta da esquerda
ou a vigésima a contar do fundo;
 
minha cabeça não sei qual,
já não una, já não única,
já semelhante às iguais,
nem de mulher nem de homem;
 
os sinais que ela me dá
são particularmente nulos;
 
talvez a olhe o Espírito do Tempo,
mas ela a ele não o vê;
 
minha cabeça de estatística
alimentada de cabos e de aço,
a mais serena e globalmente;
 
sem vergonha de ser uma qualquer,
sem desespero de ser substituível;
 
como se eu de todo a não tivesse
à parte e ao meu modo;
 
como se tivesse sido escavado um cemitério
cheio de anónimas caveiras
muito razoavelmente conservadas
embora perecíveis;
 
como se ela já lá estivesse,
minha cabeça alheia, qualquer uma,
 
onde, se de algo se recorda,
talvez seja do profundo futuro.
 
 
 
 
wislawa szymborska
paisagem com grão de areia
trad. júlio sousa gomes
relógio d’água
1998
 





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