22 julho 2021

juan luis panero / dias sem rasto

 
 
Vi o mar pela manhã
contorcer-se e saltar
– verde negro e espumas ao vento –
com as primeiras chuvas de novembro.
No silêncio da minha casa
escuto o crepitar do fogo,
olho cinza e brasa, dança de chamas.
Sobre a lareira, alguns livros
recordam outros tempos, adornos
que dissimulam uma paixão perdida.
Nem grandeza nem miséria nem escolhidas palavras,
sozinho entre paredes brancas,
fantasma sozinho nesta aldeia de fantasmas.
Natureza, outono e nada acompanham-me
enquanto o frio se cola aos vidros,
deixa embaciadas de gelo as janelas.
O dia continua o seu discurso inútil
e sereno e perde-se na noite.
Ninguém me aproxima, nenhuma sombra, da minha vida,
também não estou a escrever o meu epitáfio,
falo com dor resignada acerca de dias sem rasto.
 
 
 
juan luis panero
poemas
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2003

 







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