30 maio 2019

wislawa szymborska / roupa



Tiras, tiramos, tiram,
gabardinas, jaquetas, casacos, blusas,
de lã, algodão, de algodão e lã,
saias, calças, meias, roupa branca,
vestindo, pendurando, atirando para
costas de cadeiras, asas de biombos,
por agora, diz o médico, não é nada de sério,
vista-se, por favor, descanse, viaje,
tomar em caso de, antes de dormir, depois de comer,
voltar daqui a três meses, um ano, ano e meio;
vês, e tu que pensavas, e tínhamos medo,
e vocês supuseram, e ele que suspeitava;
é altura de atar, apertar, de mãos ainda trémulas,
atilhos, éclairs, fivelas, colchetes,
cintos, botões, gravatas, colares,
e retirar das mangas, da mala, da algibeira,
enrugado, às bolas, às riscas, às flores, aos quadrados, o lenço
que de repente continua a revelar-se útil.



wislawa szymborska
paisagem com grão de areia
trad. júlio sousa gomes
relógio d’água
1998




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