04 agosto 2017

friedrich hölderlin / o pão e o vinho


(excerto)



A Heinze


1.
Toda a cidade se acalma em redor; a viela iluminada tranquiliza-se,
  E com archotes adornados rangem os carros a passar.
Enchida a sua medida, regressam s homens a casa para descansa-
                rem da agitação diurna,
  No seu lar, o homem ponderado, com satisfação,
Faz o balanço dos ganhos e das perdas; a azáfama do mercado
  Terminou e já não há uvas nem flores e as mãos descansam.
Mas os jardins longínquos vêm sons dedilhados; talvez de
  Algum enamorado ou homem solitário
Que recorde amigos distantes e o tempo da sua juventude; e as
                fontes
  Jorrando ininterruptas e frescas rumorejam em seu canteiro per-
                fumado.
 Na calma do crepúsculo soa o toque dos sinos,
  E uma sentinela apregoa o passar das horas.
Agora corre uma aragem agitando as árvores do bosque.
  Olha, a sombra projectada pela terra, a lua
Surge também quase imperceptível; em  delírio, a noite vem
  Com o seu manto de estrelas e, alheia ao que nos é caro,
Forasteira entre os homens,  ergue-se no esplendor
  Do seu espanto por sobre os cumes cheia de tristeza e de fulgor.
[…]

3.
Mas será que em vão guardamos o coração no peito, em vão que
  Apenas nós, mestres e discípulos, esperamos? Pois quem
Quereria opor-se e impedir a nossa alegria?
  O fogo divino também nos impede, dia e noite,
A partir. Por isso, vem! Para que contemplemos o espaço aberto,
  Para que procuremos o que é nosso, por muito longe que se
                encontre.
Uma coisa é certa: quer ao meio-dia, quer
  Até à meia-noite, a todos é comum
Uma medida, aplicada diferentemente a cada um,
  E vai e vem assim cada um até onde pode.
Por isso à loucura exultante é grato troçar da troça,
  Quando de súbito se apodera do vate na noite sagrada.
Vem, pois, ao Istmo! Onde o mar alto sussurra
  Junto ao Parnaso e a neve rodeia de luz os rochedos délficos,
Vem à terra do Olimpo, aos cumes do Citéron,
  Passar sob os abetos e os vinhedos donde
Se avista ao fundo Tebas e o Ismeno que rumoreja na terra de Cadmo
  De onde o Deus que há-de vir se aproxima e para trás aponta.
[…]

7.
Mas nós, amigo, chegamos demasiado tarde. Certo é que os deuses
                vivem,
  Mas acima de nós, lá em cima, noutro mundo.
Aí o seu domínio é infinito e parecem não se importar
  Se estamos vivos, tanto nos querem poupar.
Pois nem sempre pode um frágil vaso contê-los,
  O homem apenas algum tempo suporta a plenitude divina.
Depois toda a nossa vida é sonhar com eles. Mas os erros,
  Tal como o sono, ajudam, e a necessidade e a noite fortalecem,
Até que haja suficientemente heróis, criados em berço de bronze.
  De coração corajoso, como dantes, semelhantes aos Celestiais.
Depois eles chegam, trovejantes. Entretanto penso por vezes
  Que é melhor dormir do que estar assim sem companheiros,
Nem sei perseverar assim, nem que fazer entretanto,
  Nem que dizer, pois para que servem poetas em tempo de indi-
                gência?
Mas eles são, dizes, como sacerdotes santos do deus vinho,
  Que em noite santa vagueavam de terra em terra.
[…]



friedrich hölderlin
trad. maria teresa dias furtado
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001






Sem comentários:

Enviar um comentário