08 julho 2016

tiago fabris rendelli / desmembramento



"porque só a dor / é capaz de nos revelar / a grande mentira / que há por detrás / de todas as coisas".

                           (gil t. sousa, passagem do poema "incerto")


I
não sei medir a vida,
minha balança sempre
caí para o absurdo.
II
a cidade, refletida pelos raios,
adormece no horizonte.
são fotografias tenebrosas
do grande diluvio que dorme em cada casa,
meu coração se afoga na tempestade.
III
abri a porta do peito,
deixei a guerra passar
sobrou só estilhaço,
caquinhos incoláveis
do espelho que fui.
sigo agora sem face,
posto que defunto não tem cara,
serei igual aos meus irmãos de azedume
e virarei capim com a alquimia do tempo.
IV
respiro os velhos mortos
apodreço pelo seus excessos de dias.
estou aferrado na cruz,
girando no mesmo círculo,
contorcido pelas dores
de todas as agulhas enfiadas nas unhas
para tampar os excessos de solidão
e que só terminam de arder
depois de brotadas em sangue.
V
o casal se beija.
haverá amor?.
terá sido um encontro celeste,
alguma movimento lento e milenar
que culminará em mil galáxias
explodindo sobre a cama?
ou terá sido alguma invenção
humana sobre o acaso?
o casal desunifica os lábios.
haverá amor?
VI
o inferno queimará o ar,
não sobrará nada,
serei eu o louco a professar misérias,
a abrir portas no céu,
a criar a melodia das trombetas.
sete lâmpadas acenderão na língua
e toda a penumbra será descoberta.
quem for digno romperá o selo de minha boca:
"Tarde demais!", direi,
pois já serei um oceano de vidro a enganar os pássaros.



tiago fabris rendelli



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