31 julho 2016

álvaro de campos / começa a haver



Começa a haver meia-noite, e a haver sossego, 
Por toda a parte das coisas sobrepostas, 
Os andares vários da acumulação da vida... 
Calaram o piano no terceiro andar... 
Não oiço já passos no segundo andar... 
No rés-do-chão o rádio está em silêncio... 
Vai tudo dormir... 

Fico sozinho com o universo inteiro. 
Não quero ir à janela: 
Se eu olhar, que de estrelas! 
Que grandes silêncios maiores há no alto! 
Que céu anticitadino! - 
Antes, recluso, 
Num desejo de não ser recluso, 
Escuto ansiosamente os ruídos da rua... 
Um automóvel - demasiado rápido! - 
Os duplos passos em conversa falam-me... 
O som de um portão que se fecha brusco dói-me... 

Vai tudo dormir... 

Só eu velo, sonolentamente escutando, 
Esperando 
Qualquer coisa antes que durma... 
Qualquer coisa.

  

álvaro de campos





1 comentário:

  1. Mais um belo poema com expressivos versos. Parabéns.. Desejo a você uma inspiradora semana.

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