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incertam funeris horam 
Propércio, Elegias, II, 27
Vou perdendo películas do meu corpo
em cada dia que passa, um cabelo, um reflexo, 
um dente que talvez nem me faca falta 
amanha. Mas os dentes nunca partem 
sozinhos, levam consigo um certo modo 
de olhar para as coisas e então já não sou 
quem fui quando antigamente 
saltava para as ondas e me divertia 
como se fosse um anfíbio louco 
nas praias desertas. Deserto 
sou agora – deserto e talvez um pouco 
mais sábio, um homem que sabe 
que o seu corpo foi comido 
pela alma. Vou perdendo 
nos dentes e nos cabelos 
o cerne da madeira bêbeda que parecia 
nave de catedral – o que vou ganhando 
não sei ainda sabendo agora 
que bebo e amo e devoro 
os minutos voláteis que preparam 
a hora da minha morte.
casimiro de brito
encontros de talábriga
festival internacional de poesia
de aveiro
1999/2003
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