09 junho 2015

mário-henrique leiria / último encontro



o amor não somos nós que o temos
é-nos dado
muito antes de termos nascido
talvez verdadeiro     autêntico
como o encontro do mar e da luz

depois    muito depois
quando os teus braços     os teus seios
chegaram até mim
já estavam perdidos
já não existiam
o meu rosto deformado     atroz
já não te podia olhar
mas os meus olhos    esses sim
ainda te viam como antes
como tu eras quando não existias
só os meus olhos
só os meus olhos
as mãos    essas     sem dedos
esfoladas    esfaceladas
de tanto esperar
nunca te encontraram
w    na grande planície do medo
ficavas tu    que não existias
o meu corpo   belo   perdido
sem rosto   muito pálido
partiu então
entre a nuvem e a sombra
maravilha de verdade
mas perdido na praia do sonho
embalado em algas
com muitos animais marinhos no sexo
com um rasto de luas
que sempre     sempre
o acompanharão

apenas duas gotas de sangue
pequenas    rutilantes

os meus olhos     os meus olhos
sempre os meus olhos



mário-henrique leiria
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista portuguesa
perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998




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