07 fevereiro 2015

paul auster / noites brancas



Ninguém aqui,
e o corpo diz: o que se diz
não é para ser dito. Mas ninguém
é também um corpo, e o que diz o corpo
ninguém ouve
senão tu.

Noite e queda de neve. A repetição
de um homicídio
por entre as árvores. A caneta
move-se através da terra: já não sabe
o que vai acontecer, e desapareceu
a mão que a segura.

E no entanto, escreve.
escreve: no princípio,
por entre as árvores, um corpo veio
caminhando da noite. Escreve:
a brancura do corpo
é a cor da terra. É terra,
e a terra escreve: tudo
é a cor do silêncio.

Já não estou aqui. Nunca disse
o que dizes
que eu disse. E no entanto, o corpo é um lugar
onde nada morre. E todas as noites,
pelo silêncio das árvores, sabes
que a minha voz
vem caminhando para ti.



paul auster
poemas escolhidos
tradução de rui lage
quasi
2002




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