18 dezembro 2012

vitor matos e sá / companhia violenta




É preciso que saibam: este rosto
não está à venda. Há quarenta
e cinco anos que o trago apenas
para dar e receber o espanto
do amor e do tempo, do eco e da rosa
e a violenta companhia
insubstituível do mundo.

Os amigos mortos e sepultados
sob este sorriso, também não estão
à venda - é com eles que entro
na força dos versos em que falo
de nós todos. Estes olhos
já leram Platão (entre outros)
já viram chegar a noite
nas grandes cidades, corpos proibidos
homens e mulheres sem paixão
moribundos face a face com o absurdo
de um tempo já maior de quanto há neles

e casais cumpridores que não gastaram nunca
um tostão de amor a mais.

Já todos dormimos em má companhia
(mesmo se nos limitamos a dormir
inteiramente sós - e até por isso)

Meus prósperos e
devotos irmãos atarefados, deixai-me
em paz. Ou então dêem-me um pouco
de tabaco ou mandem-me
de férias um postal (mesmo
que morra). Um póstumo
postal. E sem remorso.
Já que não se morre apenas
de falta de correspondência...




vitor matos e sá
companhia violenta
centelha
1980




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