23 maio 2012

felipe benitez reyes / a idade de ouro






O que o tempo leve
que seja tanto
quanto o tempo nos deu,
prenda imerecida,
deixando a memória na inocência
da vida gasta, porque nada
fere mais e mais fundo que a lembrança:
enquanto subsista uma noite na memória,
essa noite é a Noite
e essa intensa memória a Memória.

Leve o tempo tudo
o que queira levar,
porque tudo foi seu desde sempre.

Que o tempo desvaneça
o ouro delinquente do amor
e a imagem hermética daquilo
que chamavas passado
- e era apenas
ontem: a fugitiva idade
de não ter idade para o passado.

Idade de Baudelaire e de raparigas
que adquiriam noções da vida
nas últimas filas dos cinemas
e nesses velhos cinemas do pós-guerra
convertidos em lugares para dançar que fechavam
quando o céu queria amanhecer,
amanheceres de domingo,
voltando para casa com
um copo ainda na mão
e tabaco de outros no bolso,
a essa hora em que abriam os cafés
e as senhoras de caridade montavam mesas
com cartazes de meninos moribundos.

E era a morta luz que amanhecia
a metáfora gelada e a ilusão exacta de estar queimando
as naves da eterna juventude.

Mas no seu carro fúnebre
O tempo ia admitindo passageiros.

E as naves queimadas são cinza
e muito pouco de eterno
teve a minha juventude.

Mal arraste tudo, o tempo
que leve na sua vertigem a memória,
deixando
um vazio perfeito no passado.

Porque toda a recordação
acaba corrompendo-se no presente
e este presente já
de pouco vai servir-nos.

De pouco vai servir-nos
saber que houve um tempo em que a vida
valia o seu peso em ouro.

Porque a vida monta
a sua casa no passado.

E esta casa sombria não parece a nossa.





felipe benitez reyes
espanha




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